A Fragilização do Sistema Acusatório no STF: A Polêmica Decisão sobre a Ausência do MP em Audiência
Por
Temístocles Telmo Ferreira Araújo
A recente
manifestação do Ministro Cristiano Zanin (30/06/25), ao afirmar que não há
prejuízo à defesa quando o Ministério Público se ausenta da audiência e o juiz
assume a condução da produção de provas, causa perplexidade e preocupação. Em
julgamento do RE 155.5431 no STF, Zanin sustentou que “a condenação, em si, não
comprova efetivamente que ocorreu prejuízo ao réu”, anulando decisão do STJ que
havia reconhecido a nulidade do processo.
O processo penal enquanto uma
relação jurídica envolve uma série de pessoas, que podem ser essenciais,
assessórias ou simplesmente terceiros, que a doutrina chama de sujeitos
processuais com funções bem delimitadas pela Constituição Federal, Código de
Processo Penal e Leis Extravagantes.
Os sujeitos processuais são os
agentes e órgãos imbuídos do processo persecutório, ocupam os polos da relação
jurídica processual, que juntamente com os procedimentos, formam o processo e o
instrumento jurídico, e assim se subdividem:
Principais (essenciais): juiz, acusado (defensor/advogado) e ministério público. São
sujeitos interessados, mas imparciais, tem interesse em suas teses, exceção do
juiz, que não tem interesse no processo, cabe decidir, de forma fundamentada,
por sua livre convicção.
Secundários (assessórios ou
colaterais): Assistente da acusação, 3º
prejudicado, fiador do réu entre outros. O processo pode seguir sem eles.
Terceiros (não integram a relação
processual): serventuários da justiça,
testemunhas, peritos entre outros. São desinteressados na causa. O processo também
pode seguir sem eles.
O Código de Processo Penal é categórico
ao firmar as funções de cada sujeito processual e no caso do juiz destacamos
dois dispositivos:
Art.
251. Ao juiz incumbirá prover à
regularidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos atos,
podendo, para tal fim, requisitar a força pública.
A parte final do referido
dispositivo é taxativa ao mencionar que o juiz não pode substituir a atuação
probatória do órgão de acusação, que é o Ministério Público, conforme previsão
na Constituição Federal.
Art. 127. O
Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional
do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e
dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
§ 1º - São
princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e
a independência funcional.
Art. 129.
São funções institucionais do Ministério Público:
I -
promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
O que aconteceu?
O caso chegou ao STF após o
Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhecer a nulidade de audiência de
instrução e julgamento realizada sem a presença do representante do Ministério
Público. Durante a audiência em primeira instância, o magistrado conduziu
sozinho toda a produção probatória, inquirindo diretamente as testemunhas sem a
participação do órgão acusatório.
O STJ havia entendido que essa
situação configurava “desequilíbrio na estrutura paritária do processo”,
violando o sistema acusatório previsto no artigo 212 do Código de Processo
Penal. A Corte Superior considerou que o juiz deveria ter adiado a audiência
nos termos do artigo 455 do CPP, aplicado analogicamente ao procedimento
ordinário.
A defesa alegou oportunamente a
irregularidade durante o ato, argumentando que toda prova judicial foi
produzida naquele momento processual sem qualquer participação do Ministério
Público na formulação de perguntas ou na condução dos depoimentos.
Esse entendimento, representa grave afronta ao modelo acusatório consagrado pela Constituição Federal de 1988 e Código de Processo Penal. Até porque, como já havia decidido o Superior Tribunal de Justiça, STJ, quem faz pergunta à testemunha são os sujeitos processuais Ministério Público e Defesa, considerando que temos as testemunhas de acusação e defesa, como regra, devendo cada sujeito que indicou/arrolou a testemunha, iniciar suas perguntas primeiro. Ou seja, testemunha de acusação, quem inicia as perguntas é o Ministério Público depois a defesa e testemunha de defesa, quem inicia as perguntas é o advogado e depois o Ministério Público, como previsto no art. 212.
CAPÍTULO VI
DAS
TESTEMUNHAS
Art.
212. As perguntas serão formuladas pelas
partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem
induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição
de outra já respondida.
Parágrafo
único. Sobre os pontos não esclarecidos,
o juiz poderá complementar a inquirição.
O que o ministro decidiu
O ministro Cristiano Zanin
reformou integralmente a decisão do STJ, estabelecendo que não há nulidade
automática quando o Ministério Público, mesmo regularmente intimado, deixa de
comparecer à audiência de instrução.
Zanin destacou que “a
essencialidade da participação do Ministério Público na administração da
justiça não se pode ter como ofendida quando o órgão do Ministério Público,
regularmente intimado para determinado ato processual, deixa de comparecer ou
dele não participa a seu critério”. O ministro enfatizou que a legislação
processual penal, baseada nos princípios da busca da verdade real e do impulso
oficial, prevê hipóteses específicas de atuação pelo juiz processante.
O relator também foi categórico
ao afirmar que “a condenação, em si, não comprova efetivamente que ocorreu
prejuízo ao réu”. O ministro concluiu que não se observa “nenhum prejuízo à
defesa, que, inclusive, esteve presente na audiência”, determinando que
irregularidades procedimentais devem ser analisadas sob a ótica do efetivo
comprometimento das garantias constitucionais, não de forma meramente formal.
Por mais que o ministro fundamente
sua decisão na jurisprudência consolidada do STF, citando precedentes que
autorizam o magistrado a “prosseguir com o ato” e “promover a inquirição das
testemunhas, desde que respeitadas às formalidades previstas no Código de
Processo Penal Brasileiro”.
Art.
564. A nulidade ocorrerá nos seguintes
casos:
[...]
III - por
falta das fórmulas ou dos termos seguintes:
[...]
d) a
intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação por ele intentada
e nos da intentada pela parte ofendida, quando se tratar de crime de ação
pública;
Ao afirmar que não há nulidade sem prova de prejuízo, a decisão do STF ignora esse marco normativo e desconsidera os riscos de um processo conduzido por um juiz que atua como acusador.
Trata-se de um grave retrocesso,
que compromete o direito de defesa, o contraditório e a própria imparcialidade
do julgador.
A construção da verdade no
processo penal não pode ocorrer a qualquer custo. O respeito ao rito, às
garantias processuais e à separação de funções é o que legitima a decisão
final. Não se pode aceitar que a ausência de uma parte essencial seja
considerada inofensiva apenas porque houve condenação.
É preciso reafirmar com vigor que
não há justiça fora da legalidade. E a legalidade, no processo penal, começa
pelo respeito à paridade de armas e à estrutura acusatória. Subverter isso é
abrir caminho para o arbítrio.
Referências
SINTESE CRIMINAL. 2025. Zanin reforma acórdão do STJ e afirma que não há
prejuízo para o réu quando o MP falta à audiência de instrução e o juiz
protagoniza a produção das provas. Zanin reforma acórdão do STJ e afirma que
não há prejuízo para o réu quando o MP falta à audiência de instrução e o juiz
protagoniza a produção das provas. [Online] SINTESE CRIMINAL, 01 de julho
de 2025. [Citado em: 02 de julho de 2025.]
https://sintesecriminal.com/zanin-reforma-acordao-do-stj-e-afirma-que-nao-ha-prejuizo-para-o-reu-quando-o-mp-falta-a-audiencia-de-instrucao-e-o-juiz-protagoniza-a-producao-das-provas/.
Temístocles Telmo: É Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com 38 anos de atuação na área de Segurança Pública. Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, é também pós-graduado em Direito Penal e atualmente é Secretário de Segurança Cidadã de Santo André. Advogado licenciado, atua como membro consultor da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção da OAB/SP – Ipiranga. É professor universitário há 17 anos na área de Direito Criminal, com atuação na PUC-Centro Universitário Assunção São Paulo, no Programa de Doutorado da Polícia Militar do Estado de São Paulo e na pós-graduação da Faculdade Legale. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. É autor, coautor e organizador de 14 livros, com destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.
Caminhos da Lei. 🔎 Visão Cidadã – por Professor Telmo
🗣️
Reflexões relevantes sobre segurança pública, justiça, cidadania e os rumos do
nosso país — com responsabilidade, espírito crítico e compromisso com a
verdade.
📍
Leitura rápida, conteúdo direto e sério.
#CaminhosDaLei #VisãoCidadã
#ProfessorTelmo #SegurançaPública #JustiçaSocial #CidadaniaAtiva
#ReflexãoCrítica #DireitoEAção #SociedadeConsciente #BlogDeOpinião
Professor que bela consideração. Gostei
ResponderExcluirPois é meu amigo....cada dia percebemos que vivemos tempos estranhos no Brasil
ResponderExcluir