
*Temístocles Telmo Ferreira Araújo
A mais recente decisão do Supremo Tribunal Federal, ao permitir que condenados por tráfico privilegiado sejam beneficiados por indulto, escancara uma triste realidade: a inversão de prioridades no sistema de Justiça criminal brasileiro.
É inegável que o indulto, a graça e a anistia são figuras previstas na Constituição Federal. Todavia, o seu uso reiterado e cada vez mais abrangente — especialmente em relação a crimes graves como o tráfico de drogas — compromete não só a efetividade da pena, mas também a credibilidade do sistema penal perante a sociedade.
Vivemos em um país onde punir é exceção, e a ressocialização se tornou sinônimo de impunidade. A concessão de indulto a quem pratica tráfico de drogas, mesmo sob a alegação de que se trata de um “tráfico privilegiado”, representa um perigoso afrouxamento da repressão penal. O crime de tráfico, em qualquer modalidade, alimenta uma cadeia de violência que corrói as bases da vida em comunidade e destrói famílias inteiras.
A decisão do STF, ainda que tecnicamente respaldada, transmite um recado equivocado: de que há espaço para complacência com quem deveria responder com rigor por suas ações. Traficantes, mesmo os “privilegiados”, frequentemente atuam a serviço de organizações criminosas, representando a porta de entrada para delitos ainda mais graves, como homicídios, roubos e corrupção de menores.
Mas o que causa espanto — e beira a ironia trágica — é o fato de que essa decisão tenha vindo justamente no dia 26 de Junho, data reconhecida internacionalmente como o Dia Mundial de Combate às Drogas. Um dia criado para reforçar o compromisso dos países com a prevenção e enfrentamento do tráfico e do uso de entorpecentes, acabou sendo marcado por um gesto simbólico inverso: um sinal de leniência do mais alto tribunal do país para com aqueles que alimentam a cadeia da destruição causada pelas drogas.
É preciso dizer com clareza: o Supremo Tribunal Federal, ao adotar uma linha de garantismo extremo, flerta perigosamente com o descompromisso social. O que se espera de nossa mais alta Corte é equilíbrio, respeito aos valores constitucionais e, sobretudo, sensibilidade para com a realidade brasileira — onde o tráfico de drogas não é um problema teórico, mas uma tragédia cotidiana.
O Brasil precisa de Justiça, não de benevolência mal calibrada. Que os tribunais não esqueçam: a clemência institucional tem limites, e a paz social deve ser o mais alto dos bens a ser protegido.

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RE 1.542.482
*É Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com 38 anos de atuação na área de Segurança Pública. Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, é também pós-graduado em Direito Penal e atualmente é Secretário de Segurança Cidadã de Santo André
Advogado licenciado, atua como membro consultor da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção da OAB/SP – Ipiranga. É professor universitário há 17 anos na área de Direito Criminal, com atuação na PUC-Centro Universitário Assunção São Paulo, no Programa de Doutorado da Polícia Militar do Estado de São Paulo e na pós-graduação da Faculdade Legale.
Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. É autor, coautor e organizador de 14 livros, com destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.
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