Direito de Manifestação, Imunidade Parlamentar e os Limites da Criminalização da Política
Por Temístocles Telmo Ferreira Araújo
Em meio ao recrudescimento das tensões entre os Poderes da República e à intensificação de protestos políticos, torna-se urgente reavaliar os limites entre o direito de manifestação pacífica, o exercício do mandato parlamentar e os riscos de repressão judicial às liberdades fundamentais. O episódio ocorrido em 25 de julho de 2025, envolvendo parlamentares bolsonaristas na Praça dos Três Poderes, exige análise à luz da Constituição Federal.
1. O Fato: Ação Judicial contra Parlamentares em Protesto
Conforme noticiado pela imprensa, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou que a Polícia Legislativa e a Polícia Militar retirassem da Praça dos Três Poderes os deputados federais Hélio Lopes (PL-RJ), Gustavo Gayer (PL-GO) e André Fernandes (PL-CE), que participavam de uma manifestação simbólica em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Os parlamentares utilizavam mordaças e faixas como forma de protesto contra medidas judiciais. A decisão autorizou, inclusive, o uso da força e eventual prisão, caso persistissem no local¹.
2. Direito de Manifestação e Representação Política
A Constituição Federal de 1988 consagra em seu artigo 5º, inciso XVI, o direito à reunião pacífica em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra previamente convocada e mediante aviso à autoridade. Esse direito se estende a todos os cidadãos, inclusive aos parlamentares, cujas manifestações, quando relacionadas ao exercício do mandato, recebem também o manto protetivo da imunidade material.
É certo que a crítica institucional — ainda que contundente — está amparada pela liberdade de expressão e pelo direito de oposição. Manifestações simbólicas, como o uso de cartazes, silêncio ou adereços com carga política, fazem parte da linguagem democrática.
O Supremo Tribunal Federal já assentou, no HC 82.424/RS, que a liberdade de expressão é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito². E, ao julgar a ADPF 187, reafirmou que manifestações sem violência, mesmo que contra o ordenamento legal vigente, estão sob proteção constitucional³.
3. Imunidade Parlamentar: Limites e Função Institucional
O artigo 53 da Constituição dispõe que os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. Tal garantia é essencial para preservar a independência do Poder Legislativo diante de tentativas de intimidação ou retaliação institucional.
A jurisprudência do STF reconhece que a imunidade material se aplica inclusive fora do parlamento, desde que a manifestação esteja relacionada ao mandato⁴. Assim, a simples presença de parlamentares em ato simbólico, em local público, para expressar posição política — ainda que impopular ou provocadora — está inserida no âmbito do exercício representativo.
4. O Risco do Formalismo Autoritário e da Retórica Desconectada
Nos últimos anos, observa-se uma preocupante tendência de justificar medidas judiciais excepcionais com base em decisões estrangeiras citadas fora de contexto, ignorando as diferenças de cultura jurídica, tradição constitucional e arcabouço normativo. Tais referências, por vezes importadas acriticamente, servem menos à fundamentação jurídica e mais ao reforço retórico de posições ideológicas⁵.
Esse uso arbitrário do “direito comparado” revela certo egocentrismo institucional, onde o argumento deixa de dialogar com a realidade normativa brasileira e passa a funcionar como reforço simbólico de autoridade. Tal prática compromete a legitimidade das decisões e fragiliza o compromisso com a legalidade nacional.
Ainda mais preocupante é o uso de analogias históricas grosseiras e indevidas. Em episódio recente, um parlamentar estadual exibiu, em plenário, a autobiografia de Adolf Hitler (Mein Kampf), afirmando que o Judiciário brasileiro seria “mais ditador que o regime nazista”⁶. A referência, além de equivocada e abjeta, rompe com os limites do discurso democrático e degrada o espaço público. Não apenas pela infelicidade da menção, mas porque associar opositores políticos a figuras tirânicas é falacioso e perigoso — prática conhecida na teoria política como reductio ad Hitlerum⁷.
Comparações exageradas e uso distorcido da história não fortalecem o debate democrático. Ao contrário, comprometem sua racionalidade e alimentam o populismo punitivo ou revanchista. O pluralismo exige responsabilidade no uso da palavra, especialmente dos que representam instituições.
5. Criminalização do Dissenso
A tentativa de criminalizar manifestações pacíficas — especialmente quando protagonizadas por parlamentares em exercício — representa distorção das garantias constitucionais. O espaço público não é apenas lugar físico, mas arena simbólica onde se expressam conflitos legítimos. Tratar como “ameaça à ordem” todo gesto de oposição institucional é caminhar perigosamente para o autoritarismo formalizado.
O controle judicial, embora necessário, deve ser exercido nos limites da legalidade estrita. A liberdade política é também um instrumento de fiscalização da própria jurisdição. O Judiciário não pode pretender blindar-se contra o dissenso sob pena de subverter o papel contramajoritário que lhe é próprio.
Conclusão
O episódio da Praça dos Três Poderes, com a retirada de parlamentares por decisão judicial, acompanhado de retóricas extremadas e comparações absurdas, representa um alerta institucional.
Reiterar o valor da imunidade parlamentar, do direito de manifestação e do dever de sobriedade argumentativa é reafirmar os fundamentos da democracia constitucional. A crítica, mesmo ácida, não pode ser silenciada; tampouco o debate pode ser degradado com analogias ofensivas à memória histórica ou com importações retóricas descontextualizadas.
Notas de Referência
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Moraes manda polícia retirar deputados bolsonaristas da Praça dos Três Poderes e ameaça de prisão. O Estado de S. Paulo, 25 jul. 2025. Disponível em: www.estadao.com.br
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STF, HC 82.424/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 15.06.2003.
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STF, ADPF 187/DF, Rel. Min. Ayres Britto, j. 15.06.2011.
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STF, Inq. 3.652/DF, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 20.06.2017.
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GRAU, Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes. São Paulo: Malheiros, 2008.
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Deputado estadual exibe “Mein Kampf” e compara Judiciário a Hitler durante sessão, Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul, mar. 2023.
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FIORAVANTI, Maurizio. Constitucionalismo: percurso histórico e desafios contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum, 2019.
Sobre o autor:
Temístocles Telmo: É Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com 38 anos de atuação na área de Segurança Pública. Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem
Pública, é também pós-graduado em Direito Penal e atualmente é Secretário de Segurança Cidadã de Santo André. Advogado licenciado, atua como membro consultor da Comissão de
Segurança Pública da 100ª Subseção da OAB/SP – Ipiranga. É professor universitário há 17 anos na área de Direito Criminal, com atuação na PUC-Centro Universitário Assunção São Paulo, no Programa de Doutorado da Polícia Militar do Estado de São Paulo e na pós-graduação da Faculdade Legale. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. É autor, coautor e organizador de 14 livros, com
destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.
Caminhos da Lei. 🔎Visão Cidadã – por Professor Telmo
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