Federalizar a segurança pública é o caminho? Uma crítica construtiva à PEC da Segurança
Por Temístocles Telmo Ferreira Araújo
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, patrocinada pelo Governo Federal por meio do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), pretende elevar o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) à condição de cláusula pétrea da Constituição, estabelecendo diretrizes nacionais e ampliando as competências da União sobre o tema.
A proposta tem sido apresentada como uma iniciativa “técnica”, “desideologizada” e “moderna”. No entanto, ao examinar com atenção o texto e o contexto político que o embasa, é preciso lançar um olhar cético e realista. O discurso de superação das velhas ideologias, embora sedutor, não se sustenta quando confrontado com a prática concreta do atual governo, que historicamente se mostra contrário ao endurecimento penal, à política de encarceramento e à responsabilização efetiva do criminoso.
Não se constrói uma política de segurança eficiente e integrada com base em incoerências, narrativas abstratas ou constitucionalismos simbólicos.
Centralização excessiva em um país continental
É preciso reconhecer: o Brasil não é um país uniforme. A criminalidade em São Paulo, por exemplo, tem causas, dinâmicas e estruturas muito diferentes da violência no Rio de Janeiro, no Pará ou em Alagoas. Um modelo de comando nacional, ainda que bem-intencionado, risca uniformizar aquilo que precisa ser tratado com inteligência local.
A PEC propõe maior protagonismo da União, mas pouco fala sobre os meios práticos para garantir que estados e municípios sejam fortalecidos em suas atribuições. Ao contrário, o receio é que a centralização resulte em desresponsabilização dos entes locais, enfraquecendo justamente quem está na linha de frente do enfrentamento à criminalidade.
Soluções estruturais passam pela prevenção, não apenas por coordenação
Como defendemos no artigo “Solução para a Segurança Pública – Uma Abordagem Realista e Federativa”,(1) o enfrentamento à violência no Brasil exige mais do que comandos centralizados: exige ações integradas, investimento local, fortalecimento das guardas municipais, uso racional da tecnologia, redes comunitárias e cultura de paz.
A PEC da Segurança Pública ignora ou trata de forma periférica a prevenção social — a única estratégia comprovadamente capaz de reduzir a criminalidade de forma duradoura. Nenhuma menção concreta é feita a programas de mediação de conflitos, urbanismo social, capacitação de lideranças comunitárias ou reinserção de jovens em situação de risco.
A incoerência do discurso governamental
O maior paradoxo, no entanto, está na tentativa do Governo Federal de assumir o protagonismo de uma política pública que, historicamente, não leva a sério a repressão ao crime. Não por acaso, o próprio MJSP comemora índices como os 50% de soltura em audiências de custódia, a manutenção das saídas temporárias, a frouxidão na progressão de regime e a constante resistência à ampliação do cumprimento efetivo das penas.
Como esperar que a mesma gestão que relativiza a responsabilização criminal, agora deseje liderar nacionalmente uma política de segurança pública? Como confiar no discurso técnico de um governo que, na prática, favorece sistematicamente a impunidade?
Esse é um ponto central do nosso ceticismo: não se pode federalizar a segurança pública apenas no papel, ao mesmo tempo em que se esvazia o poder dissuasório do sistema penal e se promove um sistema de Justiça que prioriza o criminoso em detrimento da vítima.
O que deveria conter uma proposta séria de segurança pública
Se a intenção fosse realmente construir um sistema nacional forte e coerente, a PEC deveria:
- Estabelecer fontes de financiamento claras, com repasses obrigatórios e vinculados a metas objetivas;
- Criar um Conselho Nacional tripartite, com poder deliberativo e presença efetiva dos municípios, estados e sociedade civil;
- Garantir autonomia local com responsabilização, sem absorver competências constitucionais dos entes federados;
- Incluir e priorizar a prevenção social da violência, com políticas públicas intersetoriais;
- Propor o endurecimento real do sistema de Justiça criminal, com foco no cumprimento integral das penas, revisão dos benefícios penais e fim das saídas temporárias — como a sociedade espera.
Conclusão: segurança pública se constrói com coerência, não com retórica
Não se trata de negar a importância de uma política nacional de segurança pública. Pelo contrário. O Brasil precisa, sim, de diretrizes comuns, integração de informações, combate articulado ao crime organizado e estímulo à boa prática federativa. Mas essa construção não pode vir dissociada de coerência política e seriedade técnica.
Não é possível conciliar o protagonismo nacional em segurança com uma política penal que esvazia a autoridade do Estado, fragiliza o sistema de Justiça e desestimula a repressão qualificada ao crime. Enquanto a PEC insistir em soluções institucionais descoladas da realidade e das urgências locais, ela será mais um capítulo da longa história brasileira de reformas que não reformam — e que apenas deslocam responsabilidades.
A segurança pública que o Brasil precisa exige, antes de tudo, compromisso com a verdade, a justiça e a vida concreta das pessoas.
(1)https://professortemistoclestelmo.blogspot.com/2025/07/solucao-para-seguranca-publica-uma.html
Sobre o autor:
Temístocles Telmo: É Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com 38 anos de atuação na área de Segurança Pública. Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, é também pós-graduado em Direito Penal e atualmente é Secretário de Segurança Cidadã de Santo André. Advogado licenciado, atua como membro consultor da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção da OAB/SP – Ipiranga. É professor universitário há 17 anos na área de Direito Criminal, com atuação na PUC-Centro Universitário Assunção São Paulo, no Programa de Doutorado da Polícia Militar do Estado de São Paulo e na pós-graduação da Faculdade Legale. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. É autor, coautor e organizador de 14 livros, com destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.
Caminhos da Lei. 🔎 Visão Cidadã – por Professor Telmo
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Com certeza seria mais burocrático políticamente para atender as demandas de cada local, haveria a perda de autonomia dos estados e municípios, gerando essa situação...
ResponderExcluirabraço Mestre