Hack do CNJ, dupla cidadania e extradição: a situação jurídica de Carla Zambelli

Temístocles Telmo

1. A condenação

Em 14 de maio de 2025, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento da Ação Penal 2428. A deputada Carla Zambelli foi condenada por ter contratado o hacker Walter Delgatti Neto para violar o sistema eletrônico do Conselho Nacional de Justiça e inserir decisões forjadas, como um falso mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes. A Corte reconheceu a prática de **invasão de dispositivo informático qualificada** (art. 154-A, §3º, **Código Penal**) e **falsidade ideológica** (art. 299, **Código Penal**), fixando pena de dez anos de reclusão em regime fechado, multa e indenização por danos morais coletivos. Os embargos declaratórios foram rejeitados em 6 de junho de 2025, momento em que se certificou o trânsito em julgado e se expediu mandado de prisão para inclusão na difusão vermelha da Interpol.

2. O que é extradição

Extradição é o ato pelo qual um Estado entrega a outro pessoa acusada ou condenada para que seja processada ou cumpra pena. No Brasil, o instituto está previsto no art. 5º, incisos LI a LIII, da Constituição Federal de 1988** e regulado nos arts. 81 a 105 da Lei 13.445/2017 (Lei de Migração)**. A Constituição veda a extradição de brasileiro nato e restringe a de naturalizado a hipóteses específicas. A Constituição Italiana (art. 26), por sua vez, permite a extradição “nas formas e condições previstas em tratados internacionais”.

3. Dupla nacionalidade e sua relevância

Carla Zambelli obteve cidadania italiana em 2024. Tanto o Brasil quanto a Itália adotam o princípio de não extradição de nacionais, mas a proteção é absoluta apenas para brasileiros natos. O Tratado de Extradição Brasil–Itália (Decreto 863/1993, art. 4º, §2º) estabelece que cada parte “poderá” extraditar o próprio nacional se assim entender conveniente. A Corte de Cassação italiana já decidiu que a entrega de cidadão italiano é admissível quando o crime foi cometido no exterior e o condenado não tem residência habitual na Itália (Sez. VI, sent. 10275/2014; Sez. VI, sent. 46175/2021).

4. Por que a pena deve ser cumprida no Brasil

O art. 5º do Código Penal consagra o princípio da territorialidade: crimes praticados em território nacional são julgados e executados no país.

Territorialidade
Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.
§ 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.
§ 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de
aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.

O STF, ao expedir o mandado de prisão, ressaltou que eventual execução no exterior somente poderia ocorrer se a Itália recusasse a extradição, aceitasse receber o apenado e houvesse acordo específico, como a Convenção de Estrasburgo de 1983.

5. Procedimento de extradição

1. Pedido formal do Ministério das Relações Exteriores do Brasil ao governo italiano, acompanhado de sentença, acórdãos, certidão de trânsito em julgado e mandado de prisão.

2. Análise executiva pelo Ministério das Relações Exteriores e pelo Ministério do Interior da Itália (requisitos de dupla tipicidade, quantum de pena e prescrição).

3. Controle judicial pela Corte de Apelação territorial (provavelmente Milão), que verifica regularidade do processo brasileiro, respeito ao devido processo legal e eventual alegação de perseguição política. Cabe recurso à Corte de Cassação.

4. Se autorizada, a decisão é ratificada pelo Ministro da Justiça italiano e executada pela entrega da foragida à Polícia Federal brasileira.

6. Possíveis argumentos da defesa

A defesa poderá alegar:

– Proibição de extradição de nacional italiano (Constituição Italiana, art. 26).

– Perseguição política, tese afastada pelo STF ao classificar os delitos como crimes comuns.

– Ausência de residência habitual no Brasil: tentativa de demonstrar vínculo principal com a Itália para escapar de precedentes que autorizam a entrega de não-residentes.

  1. No Brasil, a ação de impugnação da Revisão Criminal, art. 621 do CPP.

7. Panorama final

A dupla cidadania não blinda automaticamente Carla Zambelli. O tratado bilateral permite a extradição, a jurisprudência italiana autoriza a entrega de nacionais que não residem no país e a sentença brasileira é definitiva. Se a Justiça italiana concordar, a ex-deputada regressará para cumprir a pena de dez anos imposta pelo Supremo Tribunal Federal.


Referências bibliográficas

Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 5º, incisos LI a LIII.

Brasil. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, arts. 154-A, §3º e 299; art. 5º.

Brasil. Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017 (Lei de Migração), arts. 81 a 105.

Brasil–Itália. Decreto nº 863, de 9 de julho de 1993. Promulga o Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana, art. 4º, §2º.

Itália. Costituzione della Repubblica Italiana, art. 26.

Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas (Estrasburgo, 1983).

Corte di Cassazione, Sezione VI Penale, sent. 10275/2014.

Corte di Cassazione, Sezione VI Penale, sent. 46175/2021.

Supremo Tribunal Federal (Brasil). Ação Penal nº 2428/DF. Acórdão publicado em 14 maio 2025.

Supremo Tribunal Federal (Brasil). Embargos de Declaração na Ação Penal nº 2428/DF. Decisão de 6 junho 2025.

Sobre o autor:

Temístocles Telmo: É Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com 38 anos de atuação na área de Segurança Pública. Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem 

Pública, é também pós-graduado em Direito Penal e atualmente é Secretário de Segurança Cidadã de Santo André. Advogado licenciado, atua como membro consultor da Comissão de 

Segurança Pública da 100ª Subseção da OAB/SP – Ipiranga. É professor universitário há 17 anos na área de Direito Criminal, com atuação na PUC-Centro Universitário Assunção São Paulo, no Programa de Doutorado da Polícia Militar do Estado de São Paulo e na pós-graduação da Faculdade Legale. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. É autor, coautor e organizador de 14 livros, com 

destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.

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