Juízo das Impressões, Medidas Cautelares e o Risco da Censura Judicial: Quando o Processo se Torna a Pena

Temístocles Telmo

“A força do direito deve superar o direito da força.”
Rui Barbosa

A decisão de 24/07/25, do ministro Alexandre de Moraes, que impõe novas restrições ao ex-presidente Jair Bolsonaro — como a proibição de usar redes sociais e manter contato com outros investigados — reacende um debate urgente no Estado Democrático de Direito: quando o processo deixa de ser garantia e passa a ser punição disfarçada?

Tecnicamente, tais restrições encontram previsão no artigo 319 do Código de Processo Penal (CPP), que dispõe sobre medidas cautelares diversas da prisão. No entanto, o uso indiscriminado e político dessas medidas fragiliza garantias fundamentais e pode configurar, na prática, uma forma velada de censura prévia e restrição de liberdade sem condenação — violando diretamente o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF).

Medidas cautelares não são penas antecipadas

As medidas cautelares, conforme os artigos 282 a 283 do CPP, devem obedecer aos critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade:

Art. 282, I e II do CPP:
As medidas cautelares devem ser aplicadas com base:
I – na necessidade para aplicação da lei penal, investigação ou instrução criminal;
II – na adequação à gravidade do crime, às circunstâncias do fato e às condições pessoais do acusado.

Além disso, o legislador foi claro ao limitar a atuação do magistrado quanto à conversão de tais medidas em prisão:

Art. 282, §4º do CPP:
“No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação ou, em último caso, decretar a prisão preventiva.”

Ou seja, o juiz não pode, de ofício, ameaçar prisão como forma de coerção, sem que haja requerimento formal do Ministério Público e após o devido contraditório. Fazer isso fere diretamente o devido processo legal e transforma o poder jurisdicional em instrumento de intimidação política.

A ameaça de prisão como intimidação e o desrespeito ao art. 283 do CPP

O Código de Processo Penal é igualmente claro ao determinar que:

Art. 283 do CPP:
“Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado.”

Essa regra reforça o caráter excepcional da prisão, e a legalidade estrita de qualquer medida que cerceie a liberdade de forma antecipada. Assim, decisões baseadas em “expectativas de comportamento” ou interpretações subjetivas sobre falas públicas abrem caminho perigoso para o juízo das impressões, onde o discurso é censurado antes mesmo de se concretizar — e não por seus atos, mas pelo temor de sua repercussão.

Liberdade de expressão e criminalização preventiva

Quando o Judiciário passa a tutelar a palavra com base em como ela poderá ser interpretada por terceiros, temos um grave desvio institucional. Não é função do Judiciário controlar o debate público, sob pena de violar o disposto no art. 5º, IX, da Constituição, que veda a censura e assegura a livre manifestação do pensamento.

Criminalizar preventivamente discursos — sobretudo de natureza política — é característico de regimes autoritários, não de democracias sólidas. O Supremo Tribunal Federal deve ser guardião da Constituição, não seu intérprete absoluto e inquestionável a serviço de agendas específicas.

Conclusão

As medidas cautelares previstas nos artigos 282 e 319 do CPP não podem ser banalizadas nem transformadas em mecanismo de punição simbólica. Elas são ferramentas processuais, não instrumentos políticos. Sua aplicação deve ser sempre excepcional, fundamentada e proporcional — e jamais servir à intimidação.

O juiz, como agente do Estado, não pode ameaçar prisão como resposta automática ao descumprimento de medida cautelar, sob pena de romper o equilíbrio processual e atuar como parte no processo. É papel do Ministério Público requerer, da defesa responder, e do juiz decidir — não impor de ofício, sob ameaça.

Defender a democracia é respeitar seus próprios limites. Do contrário, não há Estado Democrático de Direito — há apenas a aparência dele.


Sobre o autor:

Temístocles Telmo: É Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com 38 anos de atuação na área de Segurança Pública. Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, é também pós-graduado em Direito Penal e atualmente é Secretário de Segurança Cidadã de Santo André. Advogado licenciado, atua como membro consultor da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção da OAB/SP – Ipiranga. É professor universitário há 17 anos na área de Direito Criminal, com atuação na PUC-Centro Universitário Assunção São Paulo, no Programa de Doutorado da Polícia Militar do Estado de São Paulo e na pós-graduação da Faculdade Legale. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. É autor, coautor e organizador de 14 livros, com destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.

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