Entre a Doutrina de Rua e a Sociedade do Espetáculo: 40 anos na Segurança Pública
Temístocles Telmo
Quatro décadas vivendo a segurança. Ao longo de
quatro décadas dedicadas à segurança pública — sendo 38 anos na atividade
operacional da Polícia Militar do Estado de São Paulo e os últimos anos na
segurança pública municipal — vivemos transformações profundas na forma como a
sociedade se informa, opina e julga ações policiais.
Testemunhamos a transição de um tempo em que a experiência
de rua e a troca entre colegas eram o alicerce da conduta, para a era digital,
marcada pela velocidade da informação e pela superficialidade das análises.
A sociedade do espetáculo e o imediatismo digital.
Hoje, vivemos em um cenário no qual é mais fácil filmar, postar e curtir do que compreender os fatos. Na “sociedade do jeitinho”, qualquer um acessa informações rapidamente, sem avaliar se são corretas, falsas ou distorcidas. Assim, surgem “especialistas instantâneos” que, com base em fragmentos, emitem julgamentos definitivos sobre situações que desconhecem por completo.
A cultura da doutrina de rua.
Nós aprendemos, nas
ruas e nas preleções, com os mais antigos, que não se comenta a ocorrência dos
outros. Não se trata apenas de normas ou regulamentos, mas de uma filosofia de
trabalho que valoriza o respeito, a confiança e a lealdade entre companheiros
de farda.
Nas viaturas, cada missão era acompanhada da consciência do
risco e de um compromisso silencioso: todos sairiam juntos e todos voltariam
juntos.
Na tarde de 7 de agosto de 2025, o Cabo da Polícia Militar Johannes Kennedy Santana, de 34 anos, vivenciou uma das situações mais críticas de sua carreira em Paraisópolis, zona sul de São Paulo. Ao tentar prender um suspeito de roubo de motocicleta, foi cercado por um grupo de pessoas e, em meio à tensão, atingido por um disparo no pescoço que quase lhe tirou a vida.
Mesmo ferido, conseguiu acionar apoio pelo rádio e foi
resgatado pelo helicóptero Águia, sendo levado ao Hospital das Clínicas. O
projétil transfixou a região cervical, deixando sequelas que o acompanharão
para sempre.
O episódio não se limitou à violência sofrida: moradores atiraram pedras contra o policial e agiram para proteger o criminoso. Essa hostilidade contra quem cumpre a lei não é um caso isolado; repete-se em diferentes regiões do país.
Logo após o fato, críticas surgiram nas redes sociais: questionou-se por que o policial estava sozinho, por que não atirou, por que não reagiu de outra forma. Esses julgamentos, feitos à distância e com base apenas em imagens ou trechos de vídeos, ignoram que só quem está na cena, sob risco real, conhece a dinâmica e os limites de ação possíveis.
A entrevista e o peso do juramento.
Mais de uma semana depois (13), o Cabo Santana falou publicamente pela primeira vez, em entrevista ao SP2. Em tom sereno, explicou a complexidade do momento, reafirmou que seu objetivo era prender o infrator e demonstrou a coragem que se espera de quem honra o juramento à farda.
Sua narrativa mostrou o quanto decisões em campo exigem
frieza, técnica e, acima de tudo, compromisso com a missão — mesmo diante da
ameaça à própria vida.
Reflexão e necessidade de apoio
A ocorrência de Paraisópolis é um retrato de um desafio
nacional: parte da população, por fatores históricos e sociais, vê a polícia
como inimiga e não como parceira. Isso não justifica agressões, mas evidencia
que o debate sobre segurança pública precisa ser mais profundo e menos baseado
em reações imediatistas.
Nós acreditamos que é preciso apoiar nossas polícias e
garantir condições para que aqueles que juraram proteger possam exercer seu
papel com segurança e respaldo social.
Vida, honra e entendimento
A experiência acumulada em quatro décadas ensina que o
trabalho policial não se resume a vídeos virais ou manchetes apressadas. Cada
ocorrência carrega nuances que só podem ser compreendidas por quem esteve
presente.
Defender a polícia é defender a vida dos que protegem, e
isso requer mais do que aplausos momentâneos: exige compreensão, respeito e a
valorização da verdade sobre os fatos. Quem garante o garantidor?
Referências
-
SP2 – PM baleado em Paraisópolis fala pela primeira vez, com exclusividade, para o SP2, Globoplay, 12 de agosto de 2025. Disponível em: https://globoplay.globo.com/v/13836776
-
“PM baleado no pescoço em Paraisópolis: Derrite atualiza estado de saúde do agente”, UOL Notícias, 8 de agosto de 2025. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2025/08/08/pm-baleado-no-pescoco-em-paraisopolis-derrite-atualiza-estado-de-saude-do-agente.htm
Sobre o autor:
Temístocles Telmo: É Coronel veterano da Polícia Militar do
Estado de São Paulo, com 38 anos de atuação na área de Segurança Pública.
Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, é também
pós-graduado em Direito Penal e atualmente é Secretário de Segurança Cidadã de
Santo André. Advogado licenciado, atua como membro consultor da Comissão
de Segurança Pública da 100ª Subseção da OAB/SP – Ipiranga. É professor
universitário há 17 anos na área de Direito Criminal, com atuação na PUC-Centro
Universitário Assunção São Paulo, no Programa de Doutorado da Polícia Militar
do Estado de São Paulo e na pós-graduação da Faculdade Legale. Em 2023,
coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança
Pública do Estado de São Paulo. É autor, coautor e organizador de 15 livros,
com destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também
se dedica à poesia.
Análise de quem conhece, sem devaneios ou fórmulas prontas. Precisamos de ponderação hoje e sempre, pois os "analistas de plantão" estão sobrando com suas pérolas.
ResponderExcluirParabéns Telmão!