O “Milagre Magnitsky” e a crise de legitimidade do STF

Temístocles Telmo

Após as sanções impostas ao ministro Alexandre de Moraes pelos Estados Unidos, com base na Lei Global Magnitsky, observou-se uma mudança repentina na rotina de distribuição de processos no Supremo Tribunal Federal. Casos de alto teor político, que rotineiramente eram direcionados a Moraes, passaram a ser sorteados para outros ministros — uma mudança que, nas redes sociais, passou a ser ironicamente chamada de “Milagre Magnitsky”.

Dois exemplos ilustram esse novo cenário:

Pedido de prisão domiciliar humanitária de Daniel Silveira, que foi sorteado para Luiz Fux;
Ação contra Eduardo Bolsonaro, relacionada às sanções de Trump, que caiu nas mãos de Kassio Nunes Marques.

A crítica levantada por internautas e juristas vai além da coincidência. O problema é estrutural: a concentração recorrente de processos sensíveis nas mãos de um único ministro representa uma violação ao princípio da imparcialidade, e fere a exigência constitucional do juiz natural. Essa prática compromete a lisura do sistema de Justiça, pautando discussões sérias sobre impedimento e suspeição.

Por anos, o argumento usado pelo STF foi o de que esses casos guardavam “semelhança” com outros sob relatoria de Moraes. No entanto, semelhança não é fundamento jurídico para conexão ou continência, que são os únicos critérios legais que autorizam a prevenção de relatoria. O uso da analogia para justificar a concentração de poder viola frontalmente o devido processo legal.

Mesmo que o Congresso pareça omisso em muitas das questões que envolvem o equilíbrio entre os Poderes, as leis existem, estão em vigor e devem ser respeitadas. Não se pode admitir que um magistrado com mandato vitalício – e portanto sem responsabilidade política direta perante o eleitor – atue como verdadeiro ator político, decidindo unilateralmente temas de impacto nacional que nitidamente beneficiam um lado e penalizam outro. Há precedentes graves: enquanto a Corte entendeu que o caso Lula era da 1ª instância, também decidiu que Bolsonaro deveria ser julgado no próprio STF, revelando um critério volátil e direcionado conforme a figura em julgamento.

Esse comportamento se agrava quando observamos a série de abusos institucionais já documentados, como:

  1. 6 anos de inquérito ilegal das fake news: conduzido por Moraes, sem acusação formal, sem fim previsto, sem sorteio e sem provocação do Ministério Público. Um inquérito que viola frontalmente a Constituição e serve para silenciar opositores e blindar o próprio STF.
  2. Censura prévia generalizada: centenas de contas de jornalistas, cidadãos e políticos foram derrubadas por decisões sigilosas, em flagrante ofensa ao Marco Civil da Internet e à liberdade de expressão.
  3. Gabinete da criatividade: mensagens reveladas pela imprensa mostram assessores de Moraes pedindo “criatividade” para fabricar acusações. Isso é pesca probatória – um desrespeito completo ao devido processo legal.
  4. Bloqueio do X (Twitter) em plena eleição: mesmo com cumprimento de exigências, a plataforma foi mantida fora do ar, “para não tumultuar o processo eleitoral” – uma decisão autocrática, que calou milhões de brasileiros.
  5. Multa por uso de VPN: Moraes determinou multa de R$ 50 mil por dia a quem usasse VPN para acessar o X. Uma medida típica de regimes autoritários como China, Irã e Rússia.
  6. Ataque à Starlink: contas da empresa foram bloqueadas para forçar Elon Musk a pagar multas do X — sem qualquer respaldo legal, como se tentasse cobrar dívidas da Ambev nas Lojas Americanas.
  7. Prisões e penas abusivas do 8/1: condenações de até 14 anos mesmo para quem não depredou nada. Mães presas por escrever em estátuas. O objetivo: produzir um espetáculo de punição contra a direita.
  8. Prisão de Filipe Martins: detido por uma viagem que não fez, com base em registro falso e reportagem jornalística. Passou 6 meses preso, inclusive na solitária, mesmo depois de provada sua inocência.

Esses fatos não são apenas falhas pontuais — são sinais de um desvirtuamento do papel constitucional do STF. Quando o Judiciário extrapola suas funções e atua como parte interessada, desrespeita os limites da legalidade e rompe a confiança institucional.

O STF insiste em proclamar sua independência, mas a autoridade não se impõe — ela se conquista pela legitimidade. E não há legitimidade quando se viola sistematicamente a Constituição para alcançar fins políticos.

Sobre o autor:

Temístocles Telmo: É Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com 38 anos de atuação na área de Segurança Pública. Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, é também pós-graduado em Direito Penal e atualmente é Secretário de Segurança Cidadã de Santo André. Advogado licenciado, atua como membro consultor da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção da OAB/SP – Ipiranga. É professor universitário há 17 anos na área de Direito Criminal, com atuação na PUC-Centro Universitário Assunção São Paulo, no Programa de Doutorado da Polícia Militar do Estado de São Paulo e na pós-graduação da Faculdade Legale. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. É autor, coautor e organizador de 14 livros, com destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.



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