Prisão Domiciliar de Bolsonaro e o Brasil da Justiça Seletiva: Cautelar ou Vingança?
Temístocles Telmo
1. Prisão domiciliar de um ex-presidente: a escalada de medidas contra Bolsonaro
Em 4 de agosto de 2025, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, decretou a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro com base no art. 312 do Código de Processo Penal, que autoriza a prisão preventiva quando houver risco à ordem pública ou à instrução criminal.
Contudo, a medida causou perplexidade ao ser convertida em prisão domiciliar, sem base no art. 318 do mesmo Código, que disciplina as hipóteses específicas para essa substituição.
O que diz o art. 318 do CPP:
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
I – maior de 80 anos;
II – extremamente debilitado por motivo de doença grave;
III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 anos de idade ou com deficiência;
IV – gestante;
V – mulher com filho de até 12 anos de idade incompletos;
VI – homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 anos de idade incompletos.
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.
Nenhum desses requisitos se aplica a Jair Bolsonaro. Sua idade (70 anos), condição física e contexto familiar não se enquadram nas hipóteses legais. Ainda assim, o STF impôs prisão domiciliar disfarçada de cautelar preventiva, agravando a insegurança jurídica e gerando forte repercussão política.
2. Marsiglia: “O STF está esticando a corda da democracia”
O jurista André Marsiglia foi enfático ao criticar a decisão:
“Qual é o crime? Qual é o descumprimento? Do que a gente está falando?… Se todos são criminosos, vamos prender todo mundo. Se não são, qual é o crime?”
“Na própria decisão, Moraes não menciona nenhum conteúdo específico como criminoso. Ele foi punido por algo dito e republicado por terceiros?”
“Se amanhã eu disser algo, e um terceiro publicar, e isso for considerado ruim por alguém, eu posso ser preso por um ato de outra pessoa?
“Acho que é o STF que está esticando a corda da democracia. É muito perigoso esse lugar em que estamos colocando o direito. A democracia não precisa ser salva de pessoas que se manifestam criticamente. Precisa ser preservada justamente para que elas possam fazê-lo.”
— André Marsiglia, jurista constitucionalista (Revista Oeste)
3. O contraste que escancara a seletividade
Enquanto Bolsonaro sofre restrições severas sem condenação transitada em julgado, outro personagem notório, Marcinho VP, mesmo condenado a 36 anos de prisão, mantém projeção pública com apoio de figuras políticas.
Quem é Marcinho VP?
- Nome: Márcio dos Santos Nepomuceno
- Condenado em 1999, por homicídios qualificados e associação criminosa;
- Crimes ocorridos em 1996, no Complexo do Alemão, com ordens de esquartejamento de rivais do tráfico;
- Cumpre pena desde 1996 em presídio federal, sem expectativa de progressão no regime.
O lançamento do livro e o apoio político
Em 12 de julho de 2025, Marcinho VP lançou o livro “A Cor da Lei” no Complexo do Alemão, com cobertura da imprensa e participação de artistas como seu filho Oruam e Poze do Rodo.
O caso chamou ainda mais atenção após a divulgação de uma imagem do deputado estadual Renato Freitas (PT‑PR) segurando o livro. Embora ele tenha negado presença oficial no evento, a imagem viralizou, gerando indignação entre críticos da seletividade da justiça.
4. Justiça ou revanche institucional?
A adoção de prisão domiciliar para Bolsonaro — sem previsão legal clara e com base em comportamentos de terceiros — aprofunda o sentimento de uso político das instituições judiciais.
Enquanto isso, condenados em definitivo podem circular por redes sociais, publicar livros e receber homenagens públicas.
Essa diferença de tratamento, somada à ausência de critérios objetivos na aplicação de cautelares, reforça a narrativa de que a justiça está sendo usada como instrumento de perseguição a adversários e de proteção a aliados.
5. A pergunta que ecoa: até onde a corda vai resistir?
Quando a lei deixa de ser aplicada de forma isonômica, o Estado Democrático de Direito entra em colapso. A substituição do devido processo legal por conveniências ideológicas expõe o sistema a rupturas perigosas.
Se a prisão domiciliar de Bolsonaro é “cautelar”, então por que não respeitar o que diz o art. 318?
E se Marcinho VP, condenado por assassinato com requintes de crueldade, pode publicar livros e ganhar respaldo político, a quem serve a Justiça no Brasil?Referências:
- Art. 312, CPP – Prisão preventiva:
- https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm
- Art. 318, CPP – Substituição por prisão domiciliar:
- https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm#art318
- Críticas de Marsiglia:
- https://revistaoeste.com/politica/stf-esta-esticando-a-corda-diz-jurista/
- Caso Marcinho VP:
- https://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/marcinho-vp-e-condenado-a-36-anos-de-prisao-al9x0ianrogafqoz0yjs1vvpq/
- https://soucuritiba.com.br/noticia/4262/deputado-estadual-petista-renato-freitas-vai-a-evento-de-livro-do-traficante-marcinho-vp-chefao-do-c.html
- https://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/preso-ha-28-anos-marcinho-vp-lanca-novo-livro-apos-se-tornar-imortal-da-academia-brasileira-de-18072025/
Sobre o autor:
Temístocles Telmo: É Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com 38 anos de atuação na área de Segurança Pública. Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, é também pós-graduado em Direito Penal e atualmente é Secretário de Segurança Cidadã de Santo André. Advogado licenciado, atua como membro consultor da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção da OAB/SP – Ipiranga. É professor universitário há 17 anos na área de Direito Criminal, com atuação na PUC-Centro Universitário Assunção São Paulo, no Programa de Doutorado da Polícia Militar do Estado de São Paulo e na pós-graduação da Faculdade Legale. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. É autor, coautor e organizador de 14 livros, com destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.
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