Bolsonaro e a Justiça Rápida: Entre Regimento, Jurisprudência e Estratégia de Defesa

Temístocles Telmo

O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro é inédito não apenas pela forma como o processo foi conduzido, acusações baseadas em narrativas e sem comprovações fáticas, incompetência do STF por ausência de foro privilegiado, impedimento e suspeição de 03 Ministros dos 5 que compõe a 1ª Turma, e grande questionamento, por muitos especialistas: porque a vontade tão grande de se julgar pela Turma se o STF é formado por 11 Ministros, afinal, muitas dúvidas, suspeitas, seriam menos contundentes. Mesmo, que o resultado fosse o mesmo, a condenação, considerando, as declarações até do presidente da Corte. Chama a atenção também a celeridade com que o STF conduziu o processo. Em um país em que ações penais por crimes hediondos podem levar décadas para transitar em julgado, ver uma condenação criminal de ex-chefe do Executivo concluída em tempo recorde reforça a percepção de um julgamento com tintas políticas, sustentado por narrativas jurídicas. E por fim, o exagero nas penas, são algo sem precedentes num sistema garantista, em que o Poder Judiciário se preocupa mais com o criminoso, que com a vítima.

As penas aplicadas foram:

Organização criminosa – 7 anos e 7 meses;
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito – 6 anos e 6 meses;
Golpe de Estado – 8 anos e 2 meses;
Dano qualificado – 2 anos e 6 meses;
Deterioração de patrimônio – 2 anos e 6 meses.

Por superarem oito anos, impõe-se o regime inicial fechado (art. 33, §2º, “a”, CP).

Mas, pelo art. 283 do CPP, não há prisão antes do trânsito em julgado.

O ponto central: embargos infringentes e o art. 333 do RISTF

O art. 333 do Regimento Interno do STF prevê que “cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma que julgar procedente a ação penal”. O texto não exige número mínimo de votos divergentes — basta não ser unânime. Porém, desde o mensalão, o STF vem restringindo o uso do recurso. Em 2018 (caso Maluf) e novamente em 2025 (caso Débora Rodrigues), a Corte fixou como critério jurisprudencial a existência de pelo menos dois votos absolutórios para admitir os embargos infringentes. Essa exigência não está escrita no regimento; é fruto de construção jurisprudencial.

No caso Bolsonaro, o placar (4x1) não atingiu esse número. Pela jurisprudência atual, os embargos infringentes não seriam admitidos. O relator, Alexandre de Moraes, poderá negar seguimento monocraticamente, amparado no art. 21, §1º, do RISTF, que autoriza rejeitar recurso “manifestamente inadmissível ou contrário à jurisprudência dominante”.

Seria muito prudente, embora entendamos impossível, que a corte olhasse a excepcionalidade do caso e seguisse a Lei e não a jurisprudência mudada com o jogo em andamento. A lei neste caso é o regimento do STF

Por que a defesa deve interpor mesmo assim

Interpor os embargos — mesmo sabendo do provável indeferimento — tem efeito estratégico: provocar o Plenário. Ao recorrer, a defesa obriga o STF a se pronunciar mais uma vez sobre a compatibilidade entre o art. 333 do regimento (norma interna) e a jurisprudência restritiva atual. Se o recurso não for admitido monocraticamente, ainda cabe agravo interno para levar a decisão ao colegiado, o que pode abrir espaço para uma eventual rediscussão no Pleno.

Outros aspectos relevantes

  1. Fux na dosimetria – coerente com sua posição histórica, ele não participou do cálculo da pena, mesmo sendo permitido pela jurisprudência.
  2. Próximos passos – publicação do acórdão (até 60 dias), embargos de declaração (5 dias), eventual tentativa de embargos infringentes e agravo.
  3. Execução da pena – só após trânsito em julgado. Possíveis locais: Papuda ou PF/Brasília.
  4. Prisão domiciliar – pode ser requerida por razões humanitárias (idade + problemas de saúde), mas não é automática. A defesa terá de comprovar impossibilidade de tratamento adequado no sistema prisional.

Síntese crítica

O caso evidencia a tensão entre regimento e jurisprudência. O texto do art. 333 é claro ao não exigir dois votos absolventes para caber embargos infringentes. A prática do STF, porém, impõe essa condição. A defesa de Bolsonaro, ao interpor embargos mesmo com baixa chance de êxito, cumpre um papel estratégico: provocar o Plenário a harmonizar a norma regimental com a jurisprudência atual e, assim, reforçar as garantias do devido processo legal.

Sobre o autor: É Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com 38 anos de atuação na área de Segurança Pública. Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, é também pós-graduado em Direito Penal e atualmente é Secretário de Segurança Cidadã de Santo André. Advogado licenciado, atua como membro consultor da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção da OAB/SP – Ipiranga. É professor universitário há 17 anos na área de Direito Criminal, com atuação na PUC-Centro Universitário Assunção São Paulo, no Programa de Doutorado da Polícia Militar do Estado de São Paulo e na pós-graduação da Faculdade Legale. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. É autor, coautor e organizador de 15 livros, com destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.


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