SELETIVIDADE NO INTERROGATÓRIO JUDICIAL: PRERROGATIVA DO RÉU E CONSEQUÊNCIAS PROCESSUAIS
1 Função e natureza jurídica
O interrogatório é o ato processual em que o acusado é formalmente ouvido sobre a imputação penal, inaugurando a autodefesa no processo. Embora suas declarações possam auxiliar na descoberta da verdade, a doutrina e a jurisprudência reconhecem natureza mista — meio de defesa e de prova — porque (a) permite ao réu contestar a acusação e (b) fornece ao juiz elemento informativo sobre os fatos.
2 Fundamentação constitucional e infraconstitucional
2.1 Constituição Federal, art. 5º, LXIII: assegura ao acusado o direito de permanecer calado.
2.2 Princípio do *nemo tenetur se detegere*: ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.
2.3 Código de Processo Penal (CPP), art. 186: o réu deve ser advertido de que “pode permanecer calado e que o silêncio não importará em confissão”.
2.4 CPP, art. 400 (Lei 11.719/2008): coloca o interrogatório ao final da instrução, reforçando sua feição defensiva.
3 Direito ao silêncio seletivo
O silêncio pode ser total ou parcial. O réu pode responder apenas às perguntas da defesa, silenciar diante de questões do juiz ou do Ministério Público ou escolher livremente os temas que abordará, sem presunção de culpa.
3.1 Precedentes
a) STF, RHC 213 849/SC (2ª Turma, 12 abr 2024): anulou interrogatório em que o juiz impediu a resposta somente à defesa, firmando que o acusado pode responder a todas, algumas ou nenhuma pergunta e escolher quem as formulará.
b) STJ, HC 102 019/PB (1ª Turma, 22 out 2010): reconheceu que a autodefesa abrange o direito de audiência e de presença, legitimando o silêncio parcial.
4 Consequências processuais
- Se o juiz impede o silêncio seletivo ou exige resposta, o interrogatório é nulo e deve ser repetido (arts. 563 e 564, IV, CPP).
- Perguntas não respondidas não podem ser reduzidas a termo; consideram-se inexistentes, em respeito ao direito de não autoincriminação.
5 Papéis dos sujeitos processuais
- Juiz — conduz o ato, pode perguntar, mas não pode compelir o réu a responder; registra apenas as respostas dadas.
- Acusação — pode perguntar, ciente de que o réu pode silenciar parcial ou totalmente.
- Defesa — define a estratégia e pode ser o único interlocutor cujas perguntas o réu decide responder.
6 Características adicionais do interrogatório
- Ato personalíssimo — somente o acusado pode prestar declarações (CPP, art. 185).
- Ato bifásico — qualificação e mérito; em ambas vigora o silêncio seletivo.
- Ato público, salvo restrições legais.
- Sem preclusão — pode ser repetido em caso de nulidade ou fato superveniente relevante (CPP, art. 196).
7 Conclusão
Embora o interrogatório seja ato privativo do juiz, trata-se de direito do acusado. Ele pode escolher quais perguntas responder e de quem, sem prejuízo processual. Restrições a essa escolha geram nulidade absoluta, exigem repetição do ato e impedem a transcrição das perguntas não respondidas.
REFERÊNCIAS
1 Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
2 Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689/1941).
3 Lei 11.719/2008.
4 STF, RHC 213 849/SC (2ª Turma, 12 abr 2024).
5 STJ, HC 102 019/PB (1ª Turma, 22 out 2010).
6 GOMES, Luiz Flávio. Código de Processo Penal Comentado, 2024.
7 BADARÓ, Gustavo. Curso de Processo Penal, 6. ed., 2023.
8 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal, 20. ed., 2025.
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