Lula: E a Ideologia da Vitimização do Criminoso (in) Segurança


Por Temístocles Telmo Ferreira Araújo


A fala recente de Luiz Inácio Lula da Silva — “os traficantes são vítimas dos usuários também” — não é um lapso diplomático, mas sim uma janela aberta para a ideologia que mascara o crime e exalta o discurso da vítima invertida. O pronunciamento ocorreu no dia 24 de outubro de 2025, em Jacarta, Indonésia, durante entrevista coletiva em que criticava as ações antinarcóticos adotadas pelos Estados Unidos. 

A retórica da complacência

Quando um chefe de Estado declara que traficantes “são vítimas dos usuários”, ele não fala apenas de estratégia internacional — ele reconfigura moralmente o crime.

Lula disse, naquele momento:

“Os usuários são responsáveis pelos traficantes, que são vítimas dos usuários também. Você tem uma troca de gente que vende porque tem gente que compra, de gente que compra porque tem gente que vende.” 


Ali, tenta-se transformar o criminoso em coautor da sua própria vítima — e ao mesmo tempo relativizar o papel do usuário. É discurso que confunde causa e consequência, autor e instigador.

Esse é o mesmo tipo de raciocínio frágil que vemos nos chavões de sempre: “roubaram para pagar uma cerveja”, “ele só perde o controle quando bebe”, “a violência doméstica aconteceu depois do jogo”. Tudo desculpa pra suavizar a culpa.

Política pública às avessas

Não pense que essa narrativa ficou restrita ao instante da fala presidencial. Ela floresce no âmbito dos tribunais e nas interpretações legais.

O STF já aprovou a descriminalização do porte de até 40 gramas de maconha. O STJ, por sua vez, ampliou esse limite para 117 gramas — uma concessão interpretativa que muitos veem como blindagem ao tráfico de menor escala. Leia aqui no Blogue nosso artigo sobre o tema: STJ — “Nem Leve Nem Pesado: Se Não Passar de 117g, Tá Liberado!”

Enquanto isso, ninguém pergunta: quem produz, quem financia, quem abastece a cadeia do tráfico?

Ninguém quer investigar a origem da droga ou o circuito financeiro que mata comunidades.

Essa permissividade legislativa e judicial é expressão concreta da ideologia que enxerga o crime como sintoma social — e não como escolha humana. Essas autoridades precisam parar de olhar o criminoso como um coitadinho, vítima da sociedade. Vítimas somos nós. Dessa ideologia militante.

Entre o discurso internacional e a omissão interna

Lula, criticando Trump, invocou soberania e pediu diálogo entre os países. Afirmações legítimas, até certo ponto. Mas o que está por trás dessa retórica é mais estratégico que diplomático.

A crítica à intervenção militar dos EUA em embarcações no Caribe e no Pacífico ganha tom de moral, mas serve também de álibi para não enfrentar o problema em casa.

Enquanto ele convoca Trump a debatê-lo, como proposto para o encontro na Malásia, o Brasil segue sem uma política clara de repressão ao tráfico interno. Aqui se fala em PEC da Segurança para centralizar poder na União, aqui se recusa a considerar facção criminosa como célula terrorista e se apresenta às pressas projeto de lei para criar novo tipo penal.

Falar em “atacar a droga” é fácil. Aplicar lei contra o tráfico é mais difícil, pois exige vontade, aparato institucional, coragem política e coerência.

O preço da ideologia

Quando o Estado abraça a narrativa de que o criminoso é co­-vítima, ele enfraquece a autoridade legal.

Quem sustenta essa inversão moral se coloca ao lado do delinquente, e contra a vítima legítima: o cidadão de bem.

O governo e os tribunais, ao adotarem esse tom leniente, fazem do crime um ator protegido, enquanto a sociedade é deixada à mercê da insegurança.

O problema não está no debate externo sobre soberania. O problema está na covardia interna, na recusa de enfrentar o tráfico com firmeza.

Falar de vítimas do sistema enquanto bairros morrem de medo é negar a realidade.

O Brasil precisa menos de discursos e mais de lei, autoridade e coerência.

É hora de parar de romantizar o ilícito e recompor a balança da justiça.

Sobre o autor:

Temístocles Telmo: Doutor e Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Pós-Graduado lato senso em Direito Penal. Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Com 38 anos de experiência de atuação na Segurança Pública. Professor de Direito Criminal na PUC-Assunção. Advogado e membro da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção do Ipiranga da OAB São Paulo. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo e foi Secretário de Segurança de Santo André (2024-2025). É autor, coautor e organizador de 16 livros, com destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia





2 comentários:

  1. Querido amigo e irmão, Prof. Temístocles Telmo. Você tem total razão na atual conjectura política brasileira, aonde o Representante da União faz uma inversão absurda de valores éticos e morais civilizatórios, esperar que ele fale que vai endurecer as penas ou criar institutos penais mais severos é uma falácia tão grande que beira o absurdo. E mais fácil esconder a poeira para debaixo do tapete. Com maniqueismo retóricos disfarçado de diplomacia. Infelizmente isso não é de hoje.

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    1. Muito obrigado meu amigo por sua aula. Vivemos tempos difíceis e a cada dia, em especial com declarações como essas, a esperança de dias melhores, parece estar muito distante.

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Muito obrigado por seu interesse e participação