O Mito das 22h: Desvendando a Lei de Perturbação do Sossego

Temístocles Telmo[1]

Uma das grandes confusões no convívio em sociedade refere-se à perturbação do sossego e a interpretação errônea de que o som alto ou atividades ruidosas seriam permitidas até as 22h. Essa crença popular, de que haveria uma espécie de "liberdade sonora" durante o dia, para só então a partir das 22h o silêncio se tornar mandatório, é um mito que precisa ser desfeito.

O Que a Lei Realmente Diz (e O Que Não Diz)

A base para o entendimento da perturbação do sossego reside no artigo 42 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/41). Este artigo, diferentemente do que muitos pensam, não estabelece um "horário limite" para o barulho, nem cria uma distinção rígida entre o dia e a noite para configurar a infração.

A verdade é categórica: O sossego alheio é protegido 24 horas por dia.

O Artigo 42 foca na conduta que causa incômodo excessivo, a qualquer momento. Ele pune quem:

* Gritaria ou algazarra: Barulhos vocais ou tumulto.

* Exercício de profissão incômoda ou ruidosa: Atividades profissionais que geram ruído além do permitido, em desacordo com as normas.

* Abuso de instrumentos sonoros ou sinais acústicos: Uso excessivo e desnecessário de caixas de som, buzinas, etc.

* Provocação ou omissão em impedir barulho produzido por animal: Responsabilidade sobre o ruído gerado por animais sob sua guarda.

Ou seja, se uma fonte de ruído – seja uma festa, som automotivo, latidos constantes de cães ou obras – gerar incômodo excessivo e injustificável a qualquer hora do dia ou da noite, a conduta pode ser enquadrada como contravenção penal.

A Questão dos Limites de Decibéis e Normas Técnicas

Embora o artigo 42 trate da sensação de incômodo subjetiva ("perturbação do sossego alheio"), existem também regulamentações técnicas e municipais que fornecem parâmetros objetivos. Muitas leis municipais e normas de condomínio utilizam a medição de decibéis (dB) como referência, baseando-se em padrões como os da ABNT NBR 10151, que estabelecem os níveis de ruído aceitáveis para diferentes zonas e horários.

Geralmente, há uma diferenciação nos limites de ruído tolerado entre o período diurno (tipicamente entre 7h e 22h) e o período noturno (após as 22h), sendo este último consideravelmente mais rigoroso. No entanto, é fundamental entender que esses limites técnicos servem como um complemento e um balizador, e não como uma "permissão" para gerar barulho antes de um certo horário.

Conclusão

A errônea "Lei das 22h" precisa ser abandonada em prol de uma compreensão mais precisa da legislação. A proteção ao sossego é uma prerrogativa legal contínua e universal. A máxima que deve guiar as ações individuais é o bom senso e o respeito mútuo. Qualquer ruído que configure uma perturbação excessiva pode, de fato, gerar consequências legais, independentemente do horário. A diferença prática é que, após as 22h, os limites de decibéis se tornam mais restritivos, tornando a caracterização da infração ainda mais fácil.


Sobre o autor: Temístocles Telmo, é Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com 38 anos de atuação na área de Segurança Pública. Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, é também pós-graduado em Direito Penal. Advogado, atua como membro consultor da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção da OAB/SP – Ipiranga. É professor universitário há 17 anos na área de Direito Criminal, com atuação na PUC-Centro Universitário Assunção São Paulo e no Programa de Doutorado da Polícia Militar do Estado de São. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo e foi Secretário de Segurança de Santo André (2024-2025). É autor, coautor e organizador de 16 livros, com destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.

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