A reabertura do inquérito contra Bolsonaro e a erosão da segurança jurídica no Brasil

 


Temístocles Telmo[1]

 

Resumo: O artigo analisa criticamente a recente decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, de reabrir o inquérito sobre a suposta interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal. O caso, arquivado em 2022 e reaberto em 2025, expõe graves tensões institucionais entre o Ministério Público e o Judiciário, desafiando os fundamentos da segurança jurídica. Além de revisar o histórico da investigação iniciada a partir das declarações de Sérgio Moro em 2020, o texto discute as prerrogativas presidenciais constitucionais e o que tais decisões representam para o equilíbrio da República brasileira.

Palavras-chave: Interferência na Polícia Federal; Ministério Público; Alexandre de Moraes; Segurança Jurídica; Jair Bolsonaro.

 

1 Introdução

No Brasil, a sensação de que o país já alcançou o fundo do poço jurídico é ilusória. A cada crise institucional, descobre-se um novo subsolo, sustentado por decisões que desafiam a lógica constitucional. A reabertura do inquérito contra o presidente Jair Bolsonaro, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, é exemplo emblemático. Ao reacender uma investigação já arquivada pela Procuradoria-Geral da República, a decisão expõe uma perigosa instabilidade nas relações entre o Judiciário e o Ministério Público.

2 O caso e o contexto institucional

A investigação remonta a 2020, quando o então ministro da Justiça, Sérgio Moro, pediu demissão após a exoneração de Maurício Valeixo da direção-geral da Polícia Federal. Moro acusou o presidente Jair Bolsonaro de interferência política, alegando que o mandatário pretendia nomear alguém de sua confiança para o cargo. Contudo, a substituição do diretor da PF é prerrogativa constitucional do Presidente da República, prevista no artigo 84, inciso XXV[2], da Constituição Federal. Assim como ocorre com a nomeação de comandantes militares e ministros de Estado, trata-se de ato discricionário e ad nutum, que só adquire caráter ilícito se extrapolar os limites da moralidade e da legalidade.

A Polícia Federal concluiu que não havia provas de interferência, e a vice-procuradora-geral Lindôra Araújo requereu o arquivamento do caso, acolhido por Moraes em 2022, que havia, quando da indicação, 2020, concedido cautelar impedindo a nomeação do delegado indicado pelo presidente Bolsonaro. Entretanto, em outubro de 2025, a nova gestão da Procuradoria-Geral sob Paulo Gonet solicitou a reabertura das apurações, alegando supostos vínculos entre o episódio e investigações de ataques às instituições democráticas. Moraes deferiu o pedido, determinando nova manifestação da PGR.

 

3 O princípio da inércia e a titularidade da ação penal

A reabertura da investigação, embora tecnicamente solicitada pela PGR, repercute negativamente sobre o sistema de garantias. A Constituição Federal (art. 129, I) define o Ministério Público como titular exclusivo da ação penal pública. O artigo 28 do Código de Processo Penal prescreve que o arquivamento de inquérito só pode ser revertido com prova nova e mediante provocação formal do MP. Até mesmo porque um dos princípios que se tem que levar em consideração a instauração ou não de um inquérito é sua atualidade, algo que está de fato acontecendo, e não algo acontecido há 5 anos e objeto de arquivamento, há pelo menos 3 anos. Pergunta-se: qual o interesse social e jurídico disso?

Essa tensão entre titularidade e reinterpretação revela o enfraquecimento do princípio da segurança jurídica. A jurisdição, guiada pelo princípio da inércia, não deve atuar de ofício; permitir reaberturas atreladas a contextos políticos produz instabilidade e deslegitimação judicial.

 

4 A ilação política como origem do inquérito

O mais grave é que esta investigação nasceu de uma inferência política, e não de indício concreto de crime. A saída de Sergio Moro do governo resultou de discordância quanto à indicação presidencial do novo diretor da PF, prerrogativa constitucional indelegável ao chefe do Executivo. O então ministro, ao acusar interferência, projetou uma presunção política sobre um ato administrativo legítimo. A substituição de Valeixo, publicada no Diário Oficial, cumpriu todos os requisitos legais.

Assim, não se trata de abuso de poder, mas de exercício de autoridade previsto na Constituição. Transformar prerrogativas presidenciais em suspeitas criminais enfraquece a legitimidade do Executivo e desloca disputas políticas para o campo judicial.

 

5 A erosão da segurança jurídica

A constante reabertura de casos e a instabilidade institucional que decorre disso corroem o Estado de Direito. A cada nova nomeação do PGR, reaparecem inquéritos encerrados, e a sociedade passa a enxergar o sistema de Justiça como instrumento político. Esse padrão viola o princípio do *ne bis in idem* investigativo e compromete a previsibilidade das instituições.

O cenário reflete o que se convencionou chamar de "subsolo jurídico brasileiro", um ambiente onde princípios são relativizados conforme conveniências políticas, sustentando a sensação de que, por aqui, o fundo do poço é sempre provisório.

 

6 Conclusão

A reabertura do inquérito contra Jair Bolsonaro simboliza o aprofundamento da erosão jurídica no país. Ao permitir que investigações arquivadas retornem à pauta por conveniência, o STF desafia o equilíbrio constitucional entre os Poderes. Quando o exercício legítimo da autoridade presidencial é transformado em crime, o que se destrói não é o governante, mas a própria noção de República.

 

7 Referências

 

G1. *Interferência de Bolsonaro na PF: Moraes reabre inquérito sobre suposta interferência de Bolsonaro na PF.* 16 out. 2025. 

AGÊNCIA BRASIL. *Moraes autoriza investigação sobre interferência de Bolsonaro na PF.* 15 out. 2025. 

GAZETA DO POVO. *Moraes reabre inquérito contra Bolsonaro por suposta interferência na PF.* 15 out. 2025. 

CARTA CAPITAL. *Moraes reabre investigação sobre interferência de Bolsonaro na PF.* 15 out. 2025. 

EL PAÍS. *Sérgio Moro acusa Bolsonaro de interferência política na PF e deixa governo.* 23 abr. 2020. 

G1. *‘Diário Oficial’ publica exoneração de Moro e república a de Valeixo sem assinatura do ministro.* 24 abr. 2020. 



[1] Temístocles Telmo: Doutor e Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Pós-Graduado lato senso em Direito Penal. Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Com 38 anos de experiência de atuação na Segurança Pública. Professor de Direito Criminal na PUC-Assunção. Advogado e membro da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção do Ipiranga da OAB São Paulo. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo e foi Secretário de Segurança de Santo André (2024-2025). É autor, coautor e organizador de 16 livros, com destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.

[2] Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

XXV - prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei;


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