Temístocles
Telmo Ferreira Araújo
(2020–2025)
A Insegurança Jurídica e a
(In)Constância da Jurisprudência Penal
Diante do
emaranhado de decisões emanadas das Cortes Superiores — notadamente o Supremo
Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça — entre os anos de 2020 e
2025, tem-se instaurado um cenário de evidente insegurança jurídica no âmbito
do processo penal brasileiro. A multiplicidade de entendimentos, ora rígidos,
ora lenientes, acerca da validade da prova obtida por meio de busca pessoal,
busca veicular ou ingresso em domicílio, evidencia o distanciamento entre a
norma codificada e sua aplicação prática.
O artigo 240 do
Código de Processo Penal, em seu Capítulo XI – Da Busca e da Apreensão,
é taxativo ao dispor que:
“A busca será
domiciliar ou pessoal.”
Contudo, o que
deveria ser uma diretriz clara de atuação estatal — pautada na legalidade,
necessidade e proporcionalidade — transformou-se em terreno movediço, sujeito à
oscilação interpretativa de tribunais e julgadores. A cada novo precedente,
reabre-se o debate sobre até onde pode ir a mão do Estado e onde começa a
inviolabilidade da esfera privada.
Este compêndio
reúne extratos resumidos das decisões proferidas no período,
cuidadosamente organizados por tema, data do julgamento, número do processo,
número do acórdão (quando disponível) e corte julgadora. O objetivo
é oferecer ao estudioso, ao operador do Direito e ao cidadão uma visão
panorâmica — e crítica — da evolução (ou involução) jurisprudencial sobre o
tema.
Mais do que um
repositório de entendimentos, o trabalho propõe uma reflexão: se a lei é clara,
por que a interpretação se tornou tão nebulosa? Entre a rigidez da letra
e a fluidez das decisões, ergue-se o desafio de resgatar a previsibilidade e a
segurança — fundamentos sem os quais o Direito Penal deixa de ser escudo da
liberdade para se tornar lâmina da incerteza.
1
Sumário
2 Ingresso no Domicílio e Inviolabilidade
2.1. Denúncia anônima sem diligências prévias
2.3 Fama do traficante não autoriza invasão sem mandado
2.4. Invasão com cão
farejador sem investigação
2.5. Cheiro de maconha justifica busca pessoal, mas não
entrada no domicílio
2.6. Invasão após policiais verem manipulação de drogas é
ilegal
3 Consentimento para ingresso deve ser livre e
espontâneo
3.8. Crime permanente justifica ingresso urgente sem
mandado
4 Fundada Suspeita para Busca Pessoal e Veicular
4.1. Abordagem motivada pela cor da pele
4.3. Local conhecido como ponto de venda de drogas +
sacola
4.5. O STJ considerou que perseguição a veículo não
configura fundada suspeita para busca domiciliar
4.6. Movimento de colocar sacola sob o banco não autoriza
busca veicular
4.7. Duas pessoas em moto não são motivo para abordagem
5 STJ muda posição sobre abordagem pessoal baseada em
nervosismo, 16 de setembro de 2025
6 Validade da Prova e Rigor na Atuação Policial
6.1. Leitura de mensagens com celular bloqueado
7 A cadeia de custódia no processo penal: do Pacote
Anticrime à jurisprudência do STJ
8 Os efeitos do histórico criminal na aplicação das
penas da Lei de Drogas
2
Ingresso no Domicílio e Inviolabilidade
Este
tema reúne as decisões sobre os requisitos estritos para o ingresso em
domicílio, desqualificando o ingresso forçado com base em elementos frágeis e
reforçando a necessidade de flagrante ou consentimento válido.
2.1.
Denúncia anônima sem diligências prévias
Extrato:
O STJ entendeu que denúncia anônima sem outros elementos não legitima ingresso
no domicílio, tornando nulas as provas obtidas e absolvendo o acusado. RECURSO
ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA DOMICILIAR DESPROVIDA DE MANDADO JUDICIAL.
ESTADO DE FLAGRÂNCIA. INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DA PRÁTICA DELITIVA. DENÚNCIA
ANÔNIMA. AUSÊNCIA DE INVESTIGAÇÕES PRÉVIAS E DE FUNDADAS RAZÕES. ILEGALIDADE.
NULIDADE DA PROVA OBTIDA E DAQUELAS DELA DERIVADAS. ABSOLVIÇÃO DO AGENTE.
RECURSO PROVIDO
Origem:
Superior Tribunal de Justiça (STJ) - Processo: REsp 1.871.856 – SE[i]
Data:
23 de junho de 2020
2.3 Fama do
traficante não autoriza invasão sem mandado
Extrato:
A fama do suspeito como traficante não autoriza ingresso no domicílio sem
mandado. "Somente a informação de que o paciente tivera envolvimento
anterior com tráfico de drogas não autoriza a autoridade policial, após revista
pessoal em que nada de ilícito foi encontrado na posse do suspeito, a
conduzi-lo até seu local de trabalho e sua residência, locais protegidos pela
garantia constitucional do artigo 5º, IX, da Constituição Federal, para ali
entrar, sem prévia autorização judicial e sem seu consentimento".
Origem:
STJ - Processo: HC 126.092[ii]
Data:
— 2 de julho de 2020
2.4. Invasão com cão
farejador sem investigação
Extrato:
A entrada no domicílio com base apenas no cão farejador, sem investigação
prévia, é ilegal.
Origem:
STJ
Processo:
HC 566.818 e HC 798130
Data:
— 25 de junho de 2020 e 11 de maio de 2023[iii]
2.5.
Cheiro de maconha justifica busca pessoal, mas
não entrada no domicílio
Extrato:
Embora cheiro de maconha autorize revista ou busca pessoal, não é suficiente
para autorizar invasão do domicílio sem outros indícios.
Origem:
Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Processo:
HC 838.089[iv]
Data:
— 26/09/23
2.6.
Invasão após policiais verem manipulação de
drogas é ilegal
Extrato:
A invasão do imóvel após observação externa de manipulação de drogas sem
mandado judicial é ilegal, tornando nula a prova.
Origem:
Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Processo:
REsp 1.865.363[v]
Data:
— 22/06/21
3
Consentimento para ingresso deve ser livre e
espontâneo
Extrato:
A entrada de forças policiais na residência do investigado é, provavelmente, um
dos momentos de maior tensão entre o interesse público – nesse caso, a
pretensão do Estado de manter a ordem, investigar e punir ilícitos – e as
garantias individuais, como a intimidade, a privacidade e a inviolabilidade do
domicílio. Quando o ingresso policial é amparado em mandado judicial – apesar
de também haver momentânea mitigação do princípio da inviolabilidade domiciliar
–, há menos discussão nos tribunais e na esfera doutrinária sobre eventual
ilegalidade; a controvérsia principal se dá nas situações em que a entrada dos
agentes não é precedida de autorização judicial, como em situações de alegado
flagrante. No caso do ingresso sem mandado, são comuns os pedidos de anulação
das provas obtidas na diligência em virtude de aspectos como a falta de
consentimento do morador ou a inexistência da comprovação de investigações
prévias que embasassem a ação policial. Afinal, quais são os critérios para o
ingresso da polícia em uma residência? Em meio a esse debate, o Superior
Tribunal de Justiça (STJ) tem corrigido ilegalidades e fixado parâmetros para
evitar que elas ocorram.
3.1.
Ordem genérica contra moradores de comunidades pobres.
Em 2019, a Sexta Turma do STJ, no julgamento de habeas
corpus impetrado pela Defensoria Pública, anulou uma autorização judicial para
busca e apreensão coletiva em residências de comunidades pobres do Rio de
Janeiro. O colegiado considerou que a ordem, genérica e indiscriminada, não
identificava os nomes de investigados nem os endereços específicos que deveriam
ser objeto da diligência policial.
3.2.
Busca e apreensão em apartamento desabitado sem autorização
judicial.
A Quinta Turma, no HC 588.445, entendeu não haver nulidade
na busca feita por policiais, sem mandado judicial, em apartamento que não
revelava sinais de habitação e sobre o qual havia fundada suspeita de servir
para a prática de crime permanente.
3.3.
Ingresso em residência sem mandado e sem indícios suficientes de
crime
Em 2017, a Sexta Turma negou provimento ao REsp 1.574.681,
interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, e manteve a absolvição
de um homem acusado de tráfico de drogas, ao reconhecer a ilicitude da prova
colhida em busca realizada no interior de sua residência sem autorização
judicial.
3.4.
Dúvida sobre autorização do morador para entrada na casa
No julgamento do HC 674.139, em fevereiro deste ano, a Sexta
Turma estabeleceu que, em caso de dúvidas entre a versão da polícia – que diz
ter sido autorizada a ingressar na residência – e a do morador – que diz ter
sido induzido em erro pelos agentes –, deve prevalecer esta última. Com esse
entendimento, o colegiado reconheceu a ilegalidade das provas supostamente
colhidas em uma diligência e concedeu habeas corpus para absolver um acusado
por tráfico de drogas.
3.5.
Consentimento deve ser voluntário e livre de coação
Em
2021, ao analisar o HC 616.584, a Quinta Turma entendeu que, "na falta de
comprovação de que o consentimento do morador foi voluntário e livre de
qualquer coação e intimidação, impõe-se o reconhecimento da ilegalidade na
busca domiciliar e, consequentemente, de toda a prova dela decorrente".
3.6.
Teoria da aparência e a autorização de ingresso em residência
No
entanto, havendo a autorização de parente hospedado em domicílio particular, é
legítima a entrada de policiais no local sem mandado judicial. Com esse
entendimento, a Quinta Turma, no julgamento do RHC 141.544, manteve uma ação
penal contra mãe e filho suspeitos de tráfico de drogas. A investigação partiu
de denúncia anônima sobre o plantio de maconha em propriedade rural localizada
em São José dos Pinhais (PR). A revista foi autorizada por uma mulher que
estava na casa e se identificou como nora da dona da chácara. Os policiais
encontraram no local 155 pés de maconha, 780g de sementes e utensílios
utilizados na estufa para o cultivo da planta.
3.7.
Desvio de finalidade após a invasão do domicílio
Por
se tratar de medida invasiva e que restringe o direito fundamental à
intimidade, o ingresso em morada alheia deve se limitar ao estritamente
necessário para cumprir a sua finalidade, conforme estabelece o artigo 248 do
Código de Processo Penal (CPP), segundo o qual, "em casa habitada, a busca
será feita de modo que não moleste os moradores mais do que o indispensável
para o êxito da diligência".
Origem:
Superior Tribunal de Justiça (STJ)[1]
Processo:
— HC 435934 HC 588445 REsp 1574681 HC 686489 HC 674139 HC 616584 RHC 141544 HC 663055
Data:
2024-2025
3.8.
Crime permanente justifica ingresso urgente sem
mandado
Extrato:
Flagrante permanente fundamentado permite ingresso domiciliar imediato sem
mandado. A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que,
havendo elementos suficientes da prática de crime permanente, foi legítima a
entrada de policiais em domicílio particular sem mandado judicial, mas com
autorização de parente hospedado no local. 2. Inviolabilidade de domicílio –
art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso
de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para
ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente,
a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula
que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a
busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos – flagrante delito,
desastre ou para prestar socorro – a Constituição não faz exigência quanto ao
período do dia. 4. Controle judicial a posteriori.
Origem:
STF e STJ
Processo:
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO 603.616 RONDÔNIA; HABEAS CORPUS Nº 141.544 – PR[vi];
Data:
5 de novembro de de 2015; 15 de junho de 2021
4
Fundada Suspeita para Busca Pessoal e Veicular
Este
tema aborda os critérios considerados insuficientes ou subjetivos para
justificar a "fundada suspeita" em abordagens e revistas (pessoal ou
veicular), exigindo fundamentação objetiva e dando sequência à numeração geral.
4.1.
Abordagem motivada pela cor da pele
Extrato:
AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE EIVADO DE NULIDADE. BUSCA PESSOAL. FUNDADA SUSPEITA
ORIGINADA EM ELEMENTO INIDÔNEO. COR DA PELE NÃO PODE CONFIGURAR ELEMENTO CONCRETO
INDICIÁRIO DE DESCONFIANÇA DO AGENTE DE SEGURANÇA PÚBLICA. ILICITUDE DOS
ELEMENTOS DE PROVA QUE EMBASARAM A CONDENAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
CONVICÇÃO DO RELATOR NÃO ACOMPANHADA NA SEXTA TURMA. 4. Busca pessoal do
paciente feita em razão de o mesmo ser negro conforme depoimento dos
responsáveis pelo flagrante: “QUE AO PASSAR PELA RUA SANTA TERESA, QUADRA 4,
AVISTOU AO LONGE UM INDIVÍDUO DE COR NEGRA QUE ESTAVA EM CENA TÍPICA DE TRÁFICO
DE DROGAS, UMA VEZ QUE ELE ESTAVA EM PÉ JUNTO O MEIO FIO DA VIA PÚBLICA E UM
VEÍCULO ESTAVA PARADO JUNTO A ELE COMO SE ESTIVESSE VENDENDO/COMPRANDO ALGO” e
“QUE AO SE APROXIMAREM DA RUA SANTA TERESA VIRAM UM INDIVÍDUO NEGRO QUE
"SERVIA" ALGUM USUÁRIO DE DROGA EM UM CARRO DE COR CLARA”. 5. A cor
da pele do paciente foi o que, considerando o depoimento dos policiais
responsáveis pelo flagrante, despertou a suspeita que justificou a busca
pessoal no paciente. Ainda que não tenha sido somente a cor da pele, mas, sim,
todo o contexto, como estar o indivíduo ao lado de veículo, em atitude de
mercancia, em área de tráfico, pela experiência dos policiais, a meu ver, a cor
da pele foi o fator que primeiramente despertou a atenção do agente de
segurança pública, o que não pode ser admitido. 6. Este Superior Tribunal de
Justiça por diversas vezes constatou abusos praticados pelas forças policiais
na execução das buscas pessoal e domiciliar, concedendo a ordem para reconhecer
a nulidade das provas obtidas nessas buscas irregulares, com a consequente
absolvição dos acusados.
Origem:
Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Processo:
HC 660.930 – SP[vii]
Data:
14 de setembro de 2021
4.2.
Nervosismo do averiguado
Extrato:
O STJ decidiu que nervosismo ou agitação sozinhos não constituem fundada
suspeita válida para abordagem ou revista pessoal. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL
PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. BUSCA PESSOAL. REQUISITOS DO ART. 244 DO
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. AUSÊNCIA DE FUNDADA SUSPEITA. ABORDAGEM EM VIA
PÚBLICA MOTIVADA APENAS POR IMPRESSÃO DE NERVOSISMO. ILICITUDE DAS PROVAS OBTIDAS.
ABSOLVIÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A percepção de nervosismo do
averiguado por parte de agentes públicos é dotada de excesso de subjetivismo e,
por isso, não é suficiente para caracterizar a fundada suspeita para fins de
busca pessoal, medida invasiva que exige mais do que mera desconfiança fundada
em elementos intuitivos. 2. À falta de dados concretos indicativos de fundada
suspeita, deve ser considerada nula a busca pessoal amparada na impressão de
nervosismo do Acusado por parte dos agentes públicos. 3. Recurso especial
provido, a fim de anular as provas obtidas ilicitamente, bem como as provas
delas decorrentes e, em consequência, absolver o Recorrente, nos termos do art.
386, inciso II, do Código de Processo Penal.
Origem:
Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Processo:
REsp 1.961.459[viii]
Data:
05 de abril de 2022
4.3.
Local conhecido como ponto de venda de drogas +
sacola
Extrato:
Ainda que o local tenha fama de traficância e o suspeito tivesse sacola, não há
fundada suspeita somente com esses elementos; é necessária investigação
adicional. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ART. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/06
BUSCA PESSOAL. PONTO DE VENDA DE DROGAS. PACIENTE QUE SEGURAVA UMA SACOLA NA MÃO.
ABORDAGEM. INEXISTÊNCIA DE NOTÍCIA ACERCA PRÁTICA DE CRIME PELO PACIENTE. JUSTA
CAUSA NÃO VERIFICAÇÃO. ART. 244 DO CPP. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1.
Extrai-se dos autos que a abordagem do paciente decorreu do fato de que se
encontrava em local conhecido como ponto de venda de drogas, com uma sacola em
mãos, sem notícia acerca de eventual suspeita de que o paciente estivesse com
entorpecentes. 2. Em dissonância com entendimento jurisprudencial desta Corte,
na hipótese, constata-se que não está configurado o elemento fundada suspeita a
ensejar a busca pessoal, consoante previsto no art. 244 do CPP. 3. Agravo
regimental improvido. Assim, a conclusão alcançada pela Corte de origem destoa
da jurisprudência desta Corte, posto que não se extrai dos autos qualquer
referência a prévia investigação, monitoramento ou campanas no local, tampouco
há notícia de qualquer informação acerca da prática de crime pelo paciente,
senão o fato de que estava em local conhecido por ser ponde de venda de drogas
e segurava uma sacola. Dessa forma, não está configurado o elemento
"fundadas razões" a autorizar a busca pessoal.
Origem:
Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Processo:
HC 799.493-SP[ix]
Data:
28 de fevereiro de 2023
4.4.
Preso era conhecido nos meios policiais pela
prática de crimes, tentou empreender fuga ao avistar a viatura policial e teria
se comportado de "modo suspeito"
Extrato:
O STJ entendeu que meras impressões subjetivas ou intuição não satisfazem a
exigência de fundada suspeita; isso tornaria nula a abordagem. HABEAS CORPUS.
PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. BUSCA PESSOAL. REQUISITOS DO ART.
244 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. AUSÊNCIA DE FUNDADA SUSPEITA. ILICITUDE DAS
PROVAS OBTIDAS. ABSOLVIÇÃO. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA. 1. No caso dos
autos, a busca pessoal foi efetuada porque o Paciente era conhecido nos meios
policiais pela prática de crimes, tentou empreender fuga ao avistar a viatura
policial e teria se comportado de "modo suspeito". Como se vê, não
foi demonstrada a necessária justa causa, apta a demonstrar a legalidade da
medida invasiva. 2. Os arts. 240, § 2.º, e 244, ambos do Código de Processo
Penal, exigem que haja fundada suspeita, e não mera impressão subjetiva, sobre
a posse de objetos ilícitos para que seja possível a referida diligência. Esta
fundada suspeita deve, portanto, ser objetiva e justificável a partir de dados
concretos, independentemente de considerações subjetivas acerca do
"sentimento", "intuição" ou o "tirocínio" do
agente policial que a executa. 3. A posterior situação de flagrância não
convalida a revista pessoal realizada ilegalmente, pois amparada em meras
suposições ou conjecturas. A propósito, nem mesmo o histórico criminal
mencionado no acórdão impugnado legitima a diligência policial, pois, na
hipótese, não havia fundada suspeita de que o Acusado estava na posse do
entorpecente. 4. Ordem de habeas corpus concedida para anular as provas obtidas
mediante a busca pessoal realizada pelos policiais militares, bem como as
provas delas decorrentes e, em consequência, absolver o Acusado da imputação
feita na Ação Penal n. 0700426-55.2021.8.02.0049.
Origem:
Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Processo:
HC 737.075[x]
Data:
02/08/2022
4.5.
O STJ considerou que perseguição a veículo não
configura fundada suspeita para busca domiciliar
Extrato:
Consta da denúncia que policiais militares avistaram o veículo ocupado pelo
requerente e seu irmão. Foi dada ordem de parada, mas o motorista não a
obedeceu e ingressou em um condomínio de apartamentos denominado. Os policiais
ingressaram no condomínio e efetuaram a abordagem. Foram localizados 05
aparelhos de celular e R$ 1.714,00 no interior do automóvel. Em poder do
requerente, foi encontrada a quantia de R$ 500,00 e a chave de um imóvel.
Indagados, disse que o veículo era do requerente, enquanto este alegou que
somente estava no local para entregar um objeto a um morador. Em contato com o
síndico, os policiais apuraram que o requerente residia em um apartamento
daquele empreendimento, conforme constava em ficha cadastral de moradores (fls.
57 - autos originais) e no contrato de locação (fls. 58/65 - autos originais).
A Defesa sustenta que não houve fundada razão que indicasse a ocorrência de
flagrante delito no interior da residência que justificasse o ingresso dos
agentes públicos sem mandado judicial. O tráfico de drogas, sobretudo quanto
aos seus verbos "guardar" e "ter" em depósito, é crime
permanente. Desta forma, o estado de flagrância se perpetua enquanto durar a
conduta típica (guardar ou ter em depósito drogas sem autorização e em
desacordo com determinação legal ou regulamentar). Tendo sido o requerente
surpreendido mantendo os entorpecentes no imóvel, havia justificativa para o
ingresso dos agentes públicos, estando, portanto, caracterizada a exceção
prevista no artigo 5o, inciso XI, da Constituição Federal: [...] Ademais, no
presente caso, os policiais militares narraram em juízo ter dado ordem de
parada para o veículo onde o requerente estava com seu irmão, mas ela foi
desrespeitada, de modo que eles ingressaram em um condomínio de apartamentos.
Nota-se, portanto, que a atuação dos policiais militares foi justificada, sendo
certo que as sobreditas circunstâncias da abordagem indicaram a existência de
situação de flagrante. [...] Razão assiste à defesa, uma vez que não houve uma
investigação prévia para que os policiais entrassem na residência do paciente,
mas, sim, um patrulhamento de rotina em que os policiais seguiram o veículo,
por não ter esse parado, e adentraram no condomínio, sem nenhuma ordem
judicial. Não havia nenhum monitoramento prévio por parte dos policiais. Nesse
sentido: [...] 1. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que
o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo
- a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado
em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso
concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de
flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe
8/10/2010). No mesmo sentido, neste STJ, REsp n. 1.574.681/RS. 2. Não há, no
caso, referência à prévia investigação, monitoramento ou campanas no local. Não
há, da mesma forma, menção a eventual movimentação de pessoas na residência
típica de comercialização de drogas. Também não se tratava de averiguação de
denúncia robusta e atual acerca da ocorrência de tráfico naquele local. Há
apenas a descrição de que policiais militares receberam "notícias"
acerca de eventual traficância praticada pelo réu, sem a realização, ao que
tudo indica, de outras diligências prévias para apurar a veracidade e a
plausibilidade dessa informação, de maneira que não se configurou o elemento
"fundadas razões" a autorizar o ingresso no domicílio do réu. 3. A
descoberta a posteriori de uma situação de flagrante não passou de mero acaso,
de maneira que a entrada no domicílio do acusado, no caso, desbordou do que se
teria como uma situação justificadora do ingresso na casa do então suspeito.
Sem eficácia probatória, portanto, a prova obtida ilicitamente, por meio de
violação de norma constitucional, o que a torna imprestável para legitimar
todos os atos produzidos posteriormente. [...] (REsp n. 1.593.028/RJ, Ministro
Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 17/3/2020) Ante o exposto, concedo a
ordem para absolver o paciente, ante a ilegalidade nas provas produzidas.
Origem:
Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Processo:
HC 561.360[xi]
Data:
— 31 de março de 2020
4.6.
Movimento de colocar sacola sob o banco não
autoriza busca veicular
Extrato:
Só o ato de recolher sacola para debaixo do banco não constitui fundada
suspeita para revista do veículo. Consta dos autos que o paciente foi preso em
flagrante e denunciado pelo crime de tráfico de drogas porque possuía 179g
(cento e setenta e nove gramas) de maconha. Neste recurso, sustenta a defesa a
nulidade da busca pessoal/veicular realizada pela Polícia Rodoviária Estadual,
tendo em vista a ausência de fundadas suspeitas da prática delitiva. Aponta que
o simples fato de o paciente guardar uma sacola de supermercado embaixo do
banco traseiro não permite, tampouco justifica que os policiais realizassem a
revista pessoal/veicular. Requer, liminarmente e no mérito, seja dado
provimento do recurso para reconhecer a ilegalidade da busca pessoal/veicular
realizada, relaxando-se a prisão preventiva decretada
Origem:
Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Processo:
RHC 180.546-MG[xii]
Data:
21 de julho de 2023.
4.7.
Duas pessoas em moto não são motivo para
abordagem
Extrato:
A presença de duas pessoas em uma moto, isoladamente, não configura fundada
suspeita, cabendo a nulidade da abordagem. No caso, dessume-se que a abordagem
ocorreu "às 22:45 hs, na av. Raniere Mazille, no Bairro do Cristo, próximo
a Cervejari Maquina Beer encontraram o autuado durante o patrulhamento
preventivo em uma motocicleta e em atitude suspeita; Que, na motocicleta
encontrava-se dois indivíduos; Que, foi dado voz de parada e feita a abordagem
e durante a revista pessoal foi encontrado na cintura do SILAS um revólver
calibre 38, com 04 (quatro) munições intactas" (fl. 43) Desse modo, a
busca pessoal decorreu de mera impressão subjetiva dos agentes. Segundo a
orientação desta Corte, a "atitude suspeita" do acusado, sem
indicação de elementos concretos que demonstrem a probabilidade do flagrante,
não configuram, por si só, justa causa para a abordagem.
Origem:
Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Processo:
RHC 185.767[xiii]
Data:
28 de novembro de 2023.
5
STJ muda posição sobre abordagem pessoal baseada
em nervosismo, 16 de setembro de 2025
Extrato:
O mero nervosismo apresentado pela pessoa ao ver a aproximação da polícia dá
fundadas razões para a abordagem pessoal. Essa agora é a orientação das duas
turmas criminais do Superior Tribunal de Justiça. O nervosismo, por sua vez, é
algo extremamente subjetivo. A própria 6ª Turma anulou provas em diversos casos
de pessoas que foram revistadas porque reagiram de maneira banal ao ver a
viatura se aproximar — mudaram de direção, colocaram as mãos no bolso ou
sentaram-se. Há um precedente que é muito citado tanto por ele quanto pelos
integrantes da 5ª Turma: o RHC 229.514, julgado pela 2ª Turma do STF em outubro
de 2023. Nele, o ministro Gilmar Mendes disse que “se um agente do Estado não
puder realizar abordagem em via pública a partir de comportamentos suspeitos do
alvo, tais como fuga, gesticulações e demais reações típicas, já conhecidas
pela ciência aplicada à atividade policial, haverá sério comprometimento do
exercício da segurança pública”. “O dia a dia da polícia é diferente do nosso.
E o STF, na sua experiência e nos diálogos com essa realidade, resolveu dar
crédito e legitimidade”, justificou Carlos Brandão ao aderir à corrente
vencedora. Vencido, Rogerio Schietti apontou que o colegiado está
restabelecendo uma prática policial que sempre existiu e foi responsável por
abusos reiterados, ainda que cometidos na melhor das intenções. Ele classificou
a virada jurisprudencial como “um retorno ao status quo que consolida o
autoritarismo que marca a atuação do Estado perante indivíduo”. E indicou que pode
levar o tema para a 3ª Seção, por meio da afetação de algum outro recurso. “O
fato de alguém estar em comportamento nervoso diante da polícia é absolutamente
justificável, diante das notícias diárias que vemos nas mídias. E, ao validar
as provas porque se encontrou drogas, estamos autorizando a polícia a abordar
qualquer pessoa que esteja em atitude nervosa, o que pode ser algo muito
diferente para mim do que para outras pessoas.”
Origem: Superior
Tribunal de Justiça (STJ)
Processo:
— HC 888.216-GO[xiv]
Data:
16 de setembro de 2025
Sem
Baculejo - Denúncia anônima e intuição policial não justificam busca pessoal,
decide STJ - 19 de abril de 2022: A prática da busca pessoal, conhecida no
Brasil como baculejo ou enquadro, depende da existência de fundadas razões que
possam ser concretamente aferidas e justificadas a partir de indícios. Denúncia
anônima, intuição policial ou mesmo abordagens "de rotina" não são
suficientes para autorizar a medida.
Origem: Superior
Tribunal de Justiça (STJ)
Processo:
— RHC 158.580[xv]
Data:
19 de abril de 2022
STF
- Nulidade de provas de invasão de domicílio, após uma abordagem veicular de
rotina: Como
se vê, o entendimento pela ilicitude da ação policial foi baseado na ausência
de fundada suspeita, considerando que a conduta prévia do réu "se limitou
a estar em um veículo, em uma corrida por aplicativo, o que é evidentemente
lícito", bem como porque a abordagem "em virtude do local do fato e
das características físicas do réu e do motorista [...] muito se assemelha à
abordagem por etiquetamento combatida pelas Cortes Superiores", havendo,
ainda "divergência significativa entre os informes dos agentes públicos e
da testemunha Mário Augusto, motorista de aplicativo que conduzia o veículo na
ocasião. No caso, pela leitura do acórdão recorrido, consignou-se que “conforme
se denota da prova oral produzida nos autos - que replica as informações
prestadas em sede inquisitorial -, a busca se deu por mera rotina, quando os
policiais, patrulhando o local, verificaram um veículo transitando na via
pública com dois indivíduos em seu interior e decidiram pela abordagem”.
Entendo, desse modo, que na ausência de demonstração de justa causa ou sequer
atitude suspeita do abordado, o acórdão recorrido ajusta-se ao entendimento
adotado pelo Supremo Tribunal Federal, no que toca à necessidade de existência
de fundadas suspeitas para justificar a busca pessoal.
Origem: STF
Processo:
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.562.900 RIO GRANDE DO
SUL[xvi]
Data:
1º de setembro de 2025.
6 Validade da Prova e Rigor na Atuação Policial
Este
tema foca nas decisões sobre a ilicitude da prova obtida por violação de sigilo
(celular), a necessidade da cadeia de custódia e as exigências de controle e
transparência nas diligências policiais, continuando a numeração geral.
6.1.
Leitura de mensagens com celular bloqueado
Extrato:
O STJ considerou que um policial que lê mensagens em tela bloqueada viola o
sigilo de comunicações, tornando a prova ilícita. Segundo a jurisprudência
desta Corte Superior de Justiça, a devassa do aparelho celular do paciente
durante o flagrante constitui situação não albergada pelo comando do art. 5º,
inciso XII, da Constituição Federal, o qual assegura a inviolabilidade das comunicações.
Por outro lado, os dados armazenados nos aparelhos celulares decorrentes de
envio ou recebimento de dados via mensagens SMS, programas ou aplicativos de
troca de mensagens (dentre eles o "WhatsApp"), estão relacionados com
a intimidade e a vida privada do indivíduo, o que os torna invioláveis, nos
termos do art. 5°, X, da Carta de 1988 (AgRg no HC n. 774.349/SC, de MINHA
RELATORIA, Quinta Turma, julgado em 6/12/2022, DJe de 14/12/2022)
Origem:
Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Processo:
AREsp 2.340.362[xvii]
Data:
— 08/08/2023
7
A cadeia de custódia no processo penal: do
Pacote Anticrime à jurisprudência do STJ
Em
2019, o Pacote Anticrime (Lei 13.964) regulamentou a cadeia de custódia no
Código de Processo Penal (CPP), estabelecendo: "considera-se cadeia de
custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e
documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas
de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento
até o descarte".
A
partir da definição jurídica da cadeia de custódia, o Pacote Anticrime
instituiu a regulamentação sobre uma das questões mais sensíveis do processo
penal: a guarda dos vestígios do delito. Afinal, caso não haja o recolhimento
correto dos vestígios logo após o crime, a sua preservação durante as fases
policial e judicial e o seu acondicionamento até a decisão final no processo, a
chamada quebra da cadeia de custódia pode comprometer a apuração da verdade.
Conforme
definido pelo ministro Ribeiro Dantas no RHC 77.836, "a cadeia de custódia
tem como objetivo garantir a todos os acusados o devido processo legal e os
recursos a ele inerentes, como a ampla defesa, o contraditório e,
principalmente, o direito à prova lícita. O instituto abrange todo o caminho
que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, sendo certo
que qualquer interferência durante o trâmite processual pode resultar na sua
imprestabilidade".[xviii]
7.1.
Não se admite prova digital sem registro dos procedimentos
adotados pela polícia
Em
fevereiro deste ano, a Quinta Turma do STJ decidiu que são inadmissíveis as
provas digitais sem registro documental acerca dos procedimentos adotados pela
polícia para a preservação da integridade, da autenticidade e da confiabilidade
dos elementos informáticos. No caso dos autos, um homem foi denunciado por,
supostamente, fazer parte de organização criminosa que praticava furtos
eletrônicos contra instituições financeiras. Durante a investigação que embasou
o oferecimento da denúncia, foram realizadas buscas e apreensões e
subsequentes quebras do sigilo de dados armazenados nos aparelhos eletrônicos
apreendidos pela polícia. Segundo Ribeiro Dantas, não há, desse modo, como
assegurar que os dados periciados são íntegros, o que acarreta "a quebra
da cadeia de custódia dos computadores apreendidos pela polícia, inadmitindo-se
as provas obtidas, por falharem num teste de confiabilidade mínima;
inadmissíveis são, igualmente, as provas delas derivadas, em aplicação
analógica do artigo 157, parágrafo 1º, do CPP", concluiu.
7.2.
Prova suficiente afasta discussão sobre suposta quebra da cadeia
de custódia
No
julgamento do AREsp
1.847.296, a Quinta Turma decidiu que a alegada quebra da cadeia de
custódia não invalida a condenação se esta foi amparada em evidências
suficientes da materialidade do crime. O colegiado seguiu o entendimento de
que, no processo penal, o reconhecimento de nulidade exige a comprovação de
prejuízo efetivo. Um homem foi acusado de armazenar grande quantidade de maços
de cigarros estrangeiros sem a documentação regular de entrada no país. De
acordo com o auto de infração da Receita Federal, foram encontrados 1.050 maços
no depósito, enquanto o auto de apreensão da Polícia Civil registrava 10.050
maços. Diante dessa divergência, o acusado alegou que deveria ser reconhecida a
quebra da cadeia de custódia e a imprestabilidade da prova. O ministro Reynaldo
Soares da Fonseca, relator do recurso, destacou que, apesar da divergência
sobre a quantidade apreendida, não se pode falar em quebra da cadeia de
custódia, uma vez que há provas suficientes nos autos para a condenação. "Ficou
comprovado que o acusado manteve em depósito pelo menos 1.050 maços de cigarros
estrangeiros sem a devida documentação da regular internalização em território
nacional. Assim, tal situação não induz à imprestabilidade da prova",
declarou. O relator observou que a contradição sobre a quantidade de cigarros
não comprometeu a comprovação da materialidade do crime e que a defesa não
demonstrou prejuízo em razão do alegado vício, "visto que a condenação se
sustenta nos 1.050 maços apreendidos".
7.3.
Irregularidade na guarda de provas deve ser apontada antes
da pronúncia
No
ano passado, a Sexta Turma do STJ decidiu que a irregularidade
na guarda de provas em processo do tribunal do júri deve ser apontada antes da
pronúncia.
Segundo o colegiado, há preclusão quando a nulidade supostamente
ocorrida durante a instrução do processo de competência do
tribunal do júri é apontada após a sentença de pronúncia (artigo
571, inciso I, do CPP). Relator do REsp 1.825.022, o ministro
Sebastião Reis Júnior observou que a arma do crime e alguns projéteis
apreendidos desapareceram, além de ter havido mistura de evidências do
homicídio cometido em Contagem com vestígios relativos à investigação da morte
de um promotor. Apesar do desaparecimento dos objetos, o magistrado esclareceu
que seria inviável declarar a nulidade da perícia, como pretendido pela defesa,
pois esta não fez tal pedido no momento oportuno.
"A preclusão apontada pelo órgão ministerial efetivamente obsta
a declaração de nulidade efetivada pela corte de origem", concluiu.
7.4.
Quebra da cadeia de custódia nem sempre impede utilização da prova
A
quebra da cadeia de custódia não gera nulidade obrigatória da prova colhida.
Nessas hipóteses, eventuais irregularidades devem ser observadas pelo juízo ao
lado dos demais elementos produzidos na instrução criminal, a fim de decidir se
a prova questionada ainda pode ser considerada confiável. Só após essa
confrontação é que o magistrado, caso não encontre sustentação na prova cuja
cadeia de custódia foi violada, pode retirá-la dos autos ou declará-la nula. O
entendimento, por maioria de votos, foi estabelecido pela Sexta Turma ao
conceder habeas corpus (HC 653.515) e absolver um réu acusado de tráfico de
drogas, porque a substância apreendida pela polícia foi entregue à perícia em
embalagem inadequada e sem lacre. Para o colegiado, como a origem e outras
condições da prova não foram confirmadas em juízo, ela não poderia ser
utilizada como fundamento para a condenação. O ministro Rogerio Schietti Cruz,
cujo voto prevaleceu no julgamento, considerou que o fato de a substância ter
chegado à perícia sem lacre e sem o acondicionamento adequado fragiliza a
acusação de tráfico, pois não permite identificar se era a mesma que foi
apreendida. Segundo Schietti, a situação seria diferente se o réu tivesse
admitido a posse das drogas ou se houvesse outras provas para apoiar a
condenação. "A questão relativa à quebra da cadeia de custódia da prova
merece tratamento acurado, conforme o caso analisado em concreto, de maneira
que, a depender das peculiaridades da hipótese analisada, podemos ter
diferentes desfechos processuais para os casos de descumprimento do assentado
no referido dispositivo legal" – concluiu o ministro ao absolver o réu do
crime de tráfico. Ficou mantida, porém, a condenação por associação para o
tráfico (artigo 35 da Lei 11.343/2006).
7.5.
Não é possível falar em quebra da cadeia de custódia antes da Lei
13.964/2019
Ao
julgar o agravo regimental no HC 739.866, a Quinta Turma entendeu que não era
cabível discutir quebra da cadeia de custódia por inobservância de regras
legais que não existiam à época do crime. Após ser condenado a 11 anos e seis
meses de reclusão, o réu alegou que teve sua defesa cerceada, pois não teve
acesso a todos os caminhos percorridos por uma prova que, segundo ele, teria
fundamentado a condenação – o que teria resultado na quebra da cadeia de
custódia. O relator do recurso, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, observou
que, nos termos do artigo 2º do CPP, a lei processual penal será aplicada desde
logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei
anterior. "Diante da recente alteração legislativa sobre o procedimento
acerca da cadeia de custódia da prova, a corte local, de forma objetiva e
fundamentada, explicou que, no processamento das evidências relativas aos fatos
ora julgados, ainda não existia um procedimento específico para a manutenção da
cadeia de custódia da prova como temos hoje", observou.
7.6.
Concisão em ofício sobre exame de DNA não significa quebra da
cadeia de custódia
Em
2021, ao julgar o HC 574.103, a Sexta Turma decidiu que, embora o ofício sobre
exame de DNA tenha sido elaborado de maneira concisa, sem indicação do número
do pacote, não ficou comprovada a quebra da cadeia de custódia do material
genético enviado para exame, uma vez que a simples concisão do ofício e a
ausência de indicação do número do pacote não são suficientes para configurar
ilegalidade. De acordo com os autos, um homem foi condenado a 18 anos de prisão
pelo homicídio de sua parceira. A defesa, então, impetrou o habeas corpus
sustentando que a condenação seria contrária à prova dos autos, pela ilicitude
– entre outras coisas – do exame de DNA realizado no corpo da vítima. Segundo a
defesa, não foi possível comprovar a materialidade do crime, pois não havia
como assegurar que o DNA analisado nos autos fosse o da vítima, uma vez que o
pacote que guardava o material genético não tinha número de identificação. O
ministro Nefi Cordeiro (hoje aposentado), relator do habeas corpus, destacou
que, de acordo com o ofício, o médico legista solicitou ao delegado de polícia
o material genético relativo à mãe da vítima, para fins de comparação de DNA –
o que foi atendido. Segundo o magistrado, também é possível extrair do ofício
que o material genético foi enviado em frasco plástico e envolto por embalagem
plástica, devidamente identificada. Nefi Cordeiro esclareceu que, ainda que o
ofício tenha sido conciso, sem indicação do número do pacote ou qualquer outra
informação, não se pode ter como provada a violação à custódia das provas.
"Assim, após valoração da perícia e outras provas, admitiu-se como
demonstrada a materialidade do crime, não sendo possível agora a alteração de
entendimento quanto ao material fático produzido ao longo da instrução
processual", declarou.
7.7.
Alegação de quebra da cadeia de custódia que exige exame de prova
não cabe em HC
A
Sexta Turma, no julgamento do RHC 104.176, de relatoria do ministro Rogerio
Schietti Cruz, decidiu que eventual quebra da cadeia de custódia que demande
análise fático-probatória não pode ser reconhecida em ação de habeas corpus. O
relator afirmou que, apesar de a observância da cadeia de custódia de prova ser
imprescindível para que haja o respeito ao devido processo legal, o rito do
habeas corpus não permite a dilação probatória. Segundo o ministro, a
existência de controvérsia sobre matéria fática gera um óbice intransponível
para a utilização dessa ação constitucional. Schietti ressaltou que a
elucidação dos fatos é essencial, porém deve ocorrer na ação penal, sob o
contraditório judicial, e não em habeas corpus, por total incompatibilidade com
as regras e os limites próprios da ação mandamental. "A busca do
acertamento fático é elemento do justo processo penal. É fundamental que haja,
com o respeito aos direitos fundamentais do réu, de eventual vítima e da
sociedade, a correspondência, ao menos aproximada, entre os fatos, tal como
ocorreram, e aqueles descritos nos autos. E o campo para dirimir dúvidas é o
juízo da causa, sob o contraditório judicial", declarou.
Origem:
Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Esta
notícia refere-se ao(s) processo(s): RHC 77.836; AREsp 1847296; REsp 1825022; HC
653515; HC 739866; HC 574103; RHC 104[2].
Data:
Diversos
[1] Fonte: —
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/28082022-Asilo-inviolavel--mas-nem-sempre-o-STJ-e-o-ingresso-policial-em-domicilio.aspx
[2]
Fonte: —
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/23042023-A-cadeia-de-custodia-no-processo-penal-do-Pacote-Anticrime-a-jurisprudencia-do-STJ.aspx
[i]
Fonte: Publicação no DJe em 30 de junho de 2020.
https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=REsp+1.871.856&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&chkordem=DESC&chkMorto=MORTO
[ii]
Fonte: —
https://www.conjur.com.br/2020-jul-02/fama-traficante-nao-justifica-invasao-casa-mandado/#:~:text=A%20informa%C3%A7%C3%A3o%20de%20que%20o,pela%20exist%C3%AAncia%20de%20fundadas%20raz%C3%B5es.
[iii]
Fonte: —
https://www.conjur.com.br/2020-jun-25/invasao-domicilio-motivada-cao-farejador-ilegal-stj
e
https://www.conjur.com.br/2023-mai-11/indicacao-cao-farejador-nao-justifica-invasao-domicilio/
[iv]
Fonte: —
https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=integra&documento_sequencial=210448151®istro_numero=202302425793&peticao_numero=202300947982&publicacao_data=20230929&formato=PDF&_gl=1%2a8znj5q%2a_ga%2aMTU2MzYxNzg0OS4xNjQ2MzQ5MDAy%2a_ga_F31N0L6Z6D%2aMTY5NjQ2NDE3OS40MTkuMS4xNjk2NDY0MTk2LjQzLjAuMA..
[v]
Fonte: —
https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=2074324&num_registro=202000556863&data=20210629&peticao_numero=202100532838&formato=PDF
[vi]
Fonte: —
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10924027
e
https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=2067998&num_registro=202100159474&data=20210621&peticao_numero=-1&formato=PDF
[vii]
Fonte:
https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/duvida-presuncao-racial-abordagem.pdf
[viii]
Fonte:
https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=2157385&num_registro=202100440170&data=20220408&formato=PDF
[ix]
Fonte: —
https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=integra&documento_sequencial=179874918®istro_numero=202300254922&peticao_numero=202300114435&publicacao_data=20230306&formato=PDF
[x]
Fonte:
https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=2194515&num_registro=202201143655&data=20220812&formato=PDF
[xi]
Fonte:
https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=108197358&tipo_documento=documento&num_registro=202000339872&data=20200402&formato=PDF
[xii]
Fonte: —
https://processo.stj.jus.br/processo/dj/documento/mediado/?tipo_documento=documento&componente=MON&sequencial=199386109&tipo_documento=documento&num_registro=202301509262&data=20230724&formato=PDF
[xiii]
Fonte:
https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=integra&documento_sequencial=220019114®istro_numero=202302936741&peticao_numero=&publicacao_data=20231226&formato=PDF
[xiv] Fonte: — https://processo.stj.jus.br/processo/dj/documento/mediado/?tipo_documento=documento&componente=MON&sequencial=268473917&tipo_documento=documento&num_registro=202400283931&data=20240902&formato=PDF e https://www.conjur.com.br/2025-set-16/novo-ministro-muda-posicao-do-stj-sobre-abordagem-pessoal-baseada-em-nervosismo/
Fonte: —
https://www.conjur.com.br/2022-abr-19/busca-pessoal-rotina-mera-suspeita-ilegal-stj/
[xvi]
Fonte: https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15379690412&ext=.pdf
[xvii]
Fonte: —
https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=integra&documento_sequencial=202931433®istro_numero=202301285649&peticao_numero=202300683694&publicacao_data=20230814&formato=PDF
[xviii]
Disponível em: < https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/23042023-A-cadeia-de-custodia-no-processo-penal-do-Pacote-Anticrime-a-jurisprudencia-do-STJ.aspx>.
Acesso em: 13/10/25.
Sobre o autor:
Temístocles Telmo: Doutor e Mestre
em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Pós-Graduado lato senso em
Direito Penal. Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Com
38 anos de experiência de atuação na Segurança Pública. Professor de Direito Criminal
na PUC-Assunção. Advogado e membro da Comissão de Segurança Pública da 100ª
Subseção do Ipiranga da OAB São Paulo. Em 2023, coordenou os
Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do
Estado de São Paulo e foi Secretário de Segurança de Santo André (2024-2025). É
autor, coautor e organizador de 16 livros, com destaque para Vizinhança
Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia

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