O Brasil da Impunidade à Luz do Caso Vorcaro

 



 

Temístocles Telmo[1]

 

A prisão de Daniel Vorcaro, dono do Banco Master, no aeroporto de Guarulhos (17/11) enquanto tentava deixar o país, não é apenas mais um escândalo financeiro, é um retrato cru da cultura de impunidade que permeia o sistema de justiça brasileiro.

A Operação Compliance Zero, desencadeada pela Polícia Federal, aponta para emissão de títulos de crédito falsos e gestão fraudulenta, crimes graves que podem envolver bilhões (1). 

O Esquema

Segundo os investigadores, Vorcaro e seus comparsas criaram carteiras de crédito insubsistentes, papéis que no papel representavam dívidas de créditos judiciais, mas que na prática não tinham lastro real (2). Esses ativos fictícios foram vendidos para outras instituições financeiras, com substituição por ativos duvidosos e sem avaliação técnica adequada, como descrito (1). O Banco Central, ao constatar as irregularidades, decretou a liquidação extrajudicial do Master(3).

Além disso, a proposta de compra do Master pela Fictor Holding, anunciada pouco antes da prisão, é considerada por investigadores como uma cortina de fumaça, uma manobra destinada a dar tempo para Vorcaro escapar (4).

Essa arquitetura, se confirmada, revela audácia e confiança quase absoluta na sensação de blindagem, gente que movimenta bilhões como quem embaralha cartas.

 

A Impunidade Sistêmica

Aqui entra o ponto central, que apresento como minha opinião. Mesmo reconhecendo o princípio da inocência, indispensável ao direito penal, este tipo de fraude em larga escala revela uma deformidade persistente. No plano teórico, o sistema assegura defesa, contraditório, devido processo. No plano real, quando se trata de crime de colarinho branco, a conta é outra, risco baixo, ganhos imensos, punições fracas, recuperação de ativos quase nula.

É a receita perfeita para repetir o crime. Fraude bilionária, punição improvável, retorno gigantesco. Basta somar para perceber como a impunidade vira modelo de negócio. 

Conivência Institucional

Não dá para ignorar a conivência, consciente ou não, de setores internos. A investigação aponta que parte do esquema dependia de falhas de controle e talvez até de cumplicidade. A troca de ativos sem avaliação técnica não é lapso, é sintoma grave de falha de governança (2).

Quando o poder econômico é grande, instituições reguladoras precisam ser ainda maiores, fortes, rápidas, autônomas. Investigar não basta, é preciso responsabilizar, punir e recuperar valores de modo eficiente, algo que quase nunca se vê nesse tipo de caso. 

Reprodução da Impunidade

O prognóstico de que Vorcaro poderá ser solto, talvez para regime domiciliar, não é pessimismo, é leitura fria da jurisprudência e da repetição de casos assim. Figuras influentes passam alguns dias presas, depois migram para cautelares leves enquanto o tempo dissolve a indignação pública. Essa engrenagem reforça a percepção de que o sistema é suave com quem tem recursos. Não digo nada, mas em breve uma decisão liminar de uma tribunal superior o beneficiará.

E mais, esquemas assim não são episódios isolados. Alimentam redes políticas, fortalecem lobbies, produzem captura institucional. É sinal claro de um problema estrutural, moral e repetitivo. 

 

Conclusão

Na minha opinião, o Brasil ainda é terreno fértil para a criminalidade financeira organizada. Ganhos altos, punições leves, fiscalização lenta, recuperação irrisória. Não é detalhe, é ferida aberta. O garantismo necessário não pode servir de biombo para a conivência com fraudes gigantescas.

Sem reformas sérias, sem fortalecimento real das instituições e sem política firme de recuperação de ativos, casos como o de Vorcaro não serão exceção, mas capítulo recorrente de um roteiro que já conhecemos.

 

Referências

(1) CNN Brasil, Entenda operação que prendeu Daniel Vorcaro, dono do Banco Master, https://www.cnnbrasil.com.br/economia/mercado/entenda-operacao-que-prendeu-daniel-vorcaro-dono-do-banco-master/

(2) Metrópoles, Entenda o esquema que levou Vorcaro, dono do Banco Master, à prisão, https://www.metropoles.com/colunas/mirelle-pinheiro/entenda-o-esquema-que-levou-vorcaro-dono-do-banco-master-a-prisao

(3) Monitor do Mercado, Daniel Vorcaro é preso e BC determina liquidação do Banco Master, https://monitordomercado.com.br/noticias/326270-daniel-vorcaro-e-preso-e-bc-determina-liquidacao-do-banco-master

(4) CNN Brasil, Venda do Master ao Fictor gerou suspeita de cortina de fumaça, https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/venda-do-master-ao-fictor-gerou-suspeita-de-cortina-de-fumaca/



[1] Temístocles Telmo: Doutor e Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Pós-Graduado lato senso em Direito Penal. Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Com 38 anos de experiência de atuação na Segurança Pública. Professor de Direito Criminal na PUC-Assunção. Advogado e membro da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção do Ipiranga da OAB São Paulo. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo e foi Secretário de Segurança de Santo André (2024-2025). É autor, coautor e organizador de 16 livros, com destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.

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