Coincidências Não Voam, Elas Pousam Onde Convém


Temístocles Telmo


Brasília tem dessas, coincidências que só os ingênuos compram. No céu alto, onde a política respira ar rarefeito, um ministro embarca rumo à final da Libertadores. Um jato, um jogo, risos soltos entre nuvens. A bordo, não apenas torcedores do futebol, mas atores de um drama jurídico que, cá embaixo, mexe com o destino de investigações bilionárias. Parece conto para criança, e ainda nos pedem para acreditar que não se falou uma vírgula sobre processos, clientes e riscos. Difícil engolir.


O roteiro é simples e grita. Toffoli viaja, divide cabine com advogado ligado ao Banco Master. Dias depois, este mesmo advogado ingressa com pedido no STF. Logo na sequência, o ministro determina sigilo máximo e assume o controle da investigação. A impessoalidade, princípio que deveria ser coluna do Poder Judiciário, ficou perdida entre taças e cadeiras reclináveis. Coincidência? Brasília ri.


A lista de passageiros traz figuras além do acaso. Aldo Rebelo, pré candidato à Presidência, também estava por lá. Política, Justiça e Advocacia Criminal misturadas a 40 mil pés, um coquetel perigoso quando visto sob a lente do art. 144 do CPC, art. 254 do CPP e as regras éticas de impedimento e suspeição que, ao menos na teoria, blindam julgamentos de qualquer sombra de interesse. Quando o magistrado convive socialmente com quem atua no processo, mesmo sem configurar dolo, existe o risco de parcialidade aparente, o que já seria suficiente para afastamento voluntário. Aqui, bastaria prudência.


Enquanto isso, o povo cá embaixo observa. Pesquisa Quaest registra que quase metade dos brasileiros sente que o discurso dos direitos humanos serve apenas para proteger quem comete crimes. Não é preciso concordar com essa visão para enxergar o recado. A confiança na Justiça derrete. O cidadão comum olha para cima e vê um país onde decisões podem parecer influenciadas por proximidades, jantares, voos, amizades. E é nesta percepção que mora o perigo.


Resumo? A ópera não desafina, ela grita. Se os fatos não provam ilícito, ao menos levantam sobrancelhas. O ministro não está acusado de crime, mas, à luz da boa técnica jurídica, deveria ter se declarado impedido. Um gesto simples, de grandeza, salvaria a imagem do tribunal e preservaria a liturgia da toga.


A sociedade não é infantil. Brasília pode até tentar nos embalar com fábulas, mas o tempo já ensinou que onde há fumaça, há brasa. Não se trata de atacar pessoas, mas de lembrar que Justiça não pode apenas ser justa, precisa parecer justa. E ali, no alto do jato, ela perdeu altitude.


Sobre o autor:
Temístocles Telmo: Doutor e Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Pós-Graduado lato senso em Direito Penal. Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Com 38 anos de experiência de atuação na Segurança Pública. Professor de Direito 
Criminal na PUC-Assunção. Advogado e membro da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção do Ipiranga da OAB São Paulo. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo e foi Secretário de Segurança de Santo André (2024-2025). É autor, coautor e organizador de 16 livros, com 
destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.
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