Prisão domiciliar e vigilância policial permanente: a banalização das medidas cautelares


Nos últimos dias, ganhou repercussão a decisão judicial que determinou a permanência de agentes da Polícia Federal em vigilância constante na residência do ex-presidente Jair Bolsonaro, em regime de prisão domiciliar. O caso expõe um grave excesso, sem amparo na legislação processual penal brasileira, e que traz sérias consequências para o Estado de Direito.

1. Ausência de previsão legal

O Código de Processo Penal (CPP), em seu art. 318, estabelece as hipóteses de prisão domiciliar:

“Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:

I – maior de 80 (oitenta) anos;

II – extremamente debilitado por motivo de doença grave;

III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;

IV – gestante;

V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;

VI – homem, caso seja o único responsável pelos cuidados de filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.”

Nenhuma dessas hipóteses contempla a possibilidade de monitoramento presencial e permanente por agentes policiais. Tal medida tampouco encontra respaldo no art. 319 do CPP, que trata das medidas cautelares diversas da prisão, entre as quais estão o comparecimento periódico em juízo, a proibição de ausentar-se da comarca, o recolhimento noturno e a monitoração eletrônica.

Trata-se, portanto, de uma criação arbitrária e sem respaldo normativo, em violação ao princípio da legalidade estrita consagrado no art. 5º, II, da Constituição Federal:

“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”

2. A finalidade da prisão domiciliar

A prisão domiciliar tem por finalidade restringir a liberdade de locomoção do investigado, sem submetê-lo ao cárcere. Transformar a residência em extensão de presídio, com agentes do Estado vigiando 24 horas, é medida desproporcional e abusiva, configurando na prática uma sanção mais gravosa do que a própria prisão preventiva.

Além disso, a antecipação de sanções sem condenação viola o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal:

“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”

3. Banalização das medidas cautelares

O processo penal brasileiro tem assistido a uma perigosa banalização das cautelares. Aquilo que deveria ser excepcional passou a ser usado de forma rotineira, transformando medidas que deveriam assegurar o processo em verdadeiras punições antecipadas.

Esse cenário aproxima a prática judiciária da lógica de um direito penal do inimigo, em que adversários políticos são tratados não como cidadãos, mas como alvos a serem neutralizados.

4. Riscos institucionais

Mais grave do que o excesso individual é o efeito institucional: ao ceder à lógica política, o Poder Judiciário arrisca sua credibilidade e imparcialidade. A Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXVII, veda expressamente os tribunais de exceção:

“não haverá juízo ou tribunal de exceção.”

Criar restrições à liberdade fora dos casos previstos em lei é justamente caminhar nessa direção, transformando o processo penal em instrumento de perseguição política.

Conclusão

A decisão que determina vigilância policial permanente em prisão domiciliar não apenas carece de fundamento legal, como viola princípios constitucionais e processuais básicos. Em vez de garantir direitos, transforma o processo penal em um instrumento de constrangimento e intimidação.

A Justiça deve ser guardiã da legalidade, não partícipe de disputas políticas. Quando se banalizam medidas cautelares e se flexibiliza a lei em nome de conveniências momentâneas, o que se compromete não é apenas o direito do investigado, mas a própria confiança da sociedade no sistema de justiça.


Comentários

Postagens mais visitadas