Quando o STF legisla sobre o próprio impeachment: a caneta que cala o Senado e o cidadão

 



Temístocles Telmo[1]

 

Depois de 75 anos, STF proíbe que Senadores pautem o Impeachment de Ministro da corte.

Acordamos em 2 de dezembro com mais uma intervenção profunda do STF nas regras do jogo político: em decisão monocrática, sempre assim, o ministro Gilmar Mendes alterou pontos centrais da Lei do Impeachment para tornar muito mais difícil punir ministros da própria Corte.[2][3][6][7]

Segundo noticiado exaustivamente pela imprensa, a liminar retirou do cidadão comum e até de parlamentares, a possibilidade de apresentar denúncia por crime de responsabilidade contra ministros do Supremo, concentrando essa prerrogativa exclusivamente na ProcuradoriaGeral da República.  Além disso, elevou o quórum para abertura de processo no Senado para dois terços dos votos e proibiu que o conteúdo das decisões judiciais seja usado como fundamento para pedir impeachment, o que, na prática, blinda ainda mais o Tribunal contra qualquer forma de responsabilização.

A decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes, ao restringir a legitimidade para pedir impeachment de ministros do STF exclusivamente ao Procurador‑Geral da República e alterar quórum e fundamentos da responsabilidade, inova o ordenamento e extrapola a função jurisdicional, configurando afronta ao sistema de freios e contrapesos e à repartição constitucional de competências.

 

Quadro normativo constitucional

O artigo 52, II, da Constituição estabelece que compete privativamente ao Senado Federal processar e julgar os ministros do STF nos crimes de responsabilidade, sem condicionar essa competência à iniciativa exclusiva de qualquer outro órgão.

SEÇÃO IV

DO SENADO FEDERAL

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

II processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

A decisão que concentra a iniciativa na PGR interfere de forma direta no exercício dessa competência política do Senado, redesenhando na prática o modelo de responsabilização sem passar pelo procedimento legislativo próprio de emenda constitucional.

 

Regime da Lei 1.079/1950

A Lei 1.079/1950 prevê, em dispositivo ainda vigente, a possibilidade de qualquer cidadão denunciar, perante o Senado Federal, ministros do STF e o Procurador‑Geral da República pelos crimes de responsabilidade que cometerem.

LEI Nº 1.079, DE 10 DE ABRIL DE 1950.

Define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento.

DA DENÚNCIA

Art. 14. É permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República ou Ministro de Estado, por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados.

A liminar, ao suspender a expressão “a qualquer cidadão” e ao declarar que somente o PGR pode formular denúncia contra membros do Poder Judiciário, substitui a regra definida em lei especial por um novo regime de legitimidade ativa, o que é típico de atuação legislativa e não de jurisdição constitucional estrita.

Violação dos freios e contrapesos

O modelo republicano brasileiro distribui poderes de investigação, acusação e julgamento de crimes de responsabilidade justamente para que um Poder controle o outro, com participação da sociedade por meio da legitimidade cidadã prevista na lei.

Ao concentrar a iniciativa de impeachment de ministros do STF em um único órgão (PGR), cuja chefia é indicada politicamente e frequentemente atua em processos perante o próprio Supremo, a decisão reduz substancialmente o controle externo da Corte, desequilibrando a relação entre Legislativo, Judiciário e sociedade.

Aspectos de inconstitucionalidade e ilegalidade

Sob o ponto de vista formal, a liminar altera, por via judicial, o conteúdo de lei especial e a própria dinâmica de exercício de competência do Senado, sem declarar simplesmente a não recepção de dispositivos incompatíveis com a Constituição, mas os substituindo por um novo arranjo normativo (exclusividade da PGR e quórum de dois terços para recebimento).

Materialmente, a medida restringe a participação cidadã e torna praticamente inoperante a responsabilização de ministros, em um contexto de reiterada expansão do STF sobre funções típicas dos demais Poderes, o que agrava o já fragilizado sistema de freios e contrapesos e pode ser qualificado como ato flagrantemente inconstitucional e ilegal. ​

 

Referências

[1] https://www.bbc.com/portuguese/articles/c20k1gj6xx8o

[2](https://g1.globo.com/politica/blog/camila-bomfim/post/2025/12/03/stf-decide-que-apenas-pgr-pode-pedir-impeachment-de-ministros-do-stf.ghtml)

[3](https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/gilmar-impeachment-ministros-stf-impossivel/)

[4](https://agenciabrasil.ebc.com.br/it/node/1670544)

[5](https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/12/03/decisao-de-gilmar-que-restringiu-impeachment-a-ministros-sera-analisada-na-proxima-semana.ghtml)

[6](https://www.congressoemfoco.com.br/noticia/114461/com-decisao-de-gilmar-apenas-pgr-podera-pedir-impeachment-entenda)

[7](https://www.cnnbrasil.com.br/politica/entenda-lei-sobre-impeachment-no-stf-e-o-que-muda-com-a-decisao-de-gilmar/)

 



[1] Temístocles Telmo: Doutor e Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Pós-Graduado lato senso em Direito Penal. Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Com 38 anos de experiência de atuação na Segurança Pública. Professor de Direito Criminal na PUC-Assunção. Advogado e membro da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção do Ipiranga da OAB São Paulo. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo e foi Secretário de Segurança de Santo André (2024-2025). É autor, coautor e organizador de 16 livros, com destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.

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