Da punição à proteção: a Lei nº
15.280/2025 e a consolidação de uma agenda legislativa de resposta à
vulnerabilidade
Temístocles
Telmo
Entrou em vigor na data de 08/12/25, a LEI Nº 15.280, DE 5
DE DEZEMBRO DE 2025. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940
(Código Penal), para agravar a pena dos crimes contra a dignidade sexual de
pessoa vulnerável; o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de
Processo Penal), para prever medidas protetivas de urgência a vítimas de crimes
contra a dignidade sexual e em situação de especial vulnerabilidade; a Lei nº
7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para prever a
monitoração eletrônica dos condenados por crime contra a dignidade sexual; a
Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente),
para estabelecer mecanismos de proteção a crianças e a adolescentes vítimas de
crimes contra a dignidade sexual; e a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015
(Estatuto da Pessoa com Deficiência), para assegurar assistência psicológica e
social especializada às pessoas com deficiência vítimas de crimes contra a
dignidade sexual e a suas famílias.
A Lei nº 15.280/2025, promoveu diversas alterações no TÍTULO
VI - DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL, do Código Penal. E ao mesmo tempo em
que aprofunda o viés de recrudescimento da política criminal nos crimes
sexuais, consolida uma arquitetura normativa de proteção integrada à vítima
vulnerável, com reflexos no direito penal, processual penal, execução penal e
legislações especiais.
Trata-se de alteração estrutural, que se soma a um ciclo de
126 normas modificadoras em cerca de 23 anos nesse campo, revelando um modelo
de política criminal incremental, episódica e fortemente responsiva à pressão
social por endurecimento. (TELMO, 2022)
Alterações no Código Penal
Art.
1º O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art.
217-A. .............................................................................................................................
Pena –
reclusão, de 10 (dez) a 18 (dezoito) anos, e multa.
............................................................................................................................................
§ 3º
...........................................................................................................................................
Pena –
reclusão, de 12 (doze) a 24 (vinte e quatro) anos, e multa.
§ 4º
...........................................................................................................................................
Pena –
reclusão, de 20 (vinte) a 40 (quarenta) anos, e multa.
..........................................................................................................
” (NR)
“Art.
218.
..................................................................................................................................
Pena –
reclusão, de 6 (seis) a 14 (quatorze) anos, e multa.
.............................................................................................
” (NR)
“Art.
218-A.
...............................................................................................................................
Pena –
reclusão, de 5 (cinco) a 12 (doze) anos, e multa.” (NR)
“Art.
218-B.
...............................................................................................................................
Pena –
reclusão, de 7 (sete) a 16 (dezesseis) anos, e multa.
§ 1º
(Revogado).
....................................................................
” (NR)
“Art.
218-C.
...............................................................................................................................
Pena –
reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa, se o fato não constitui crime
mais grave.
........................................................................
” (NR)
“Descumprimento
de medidas protetivas de urgência
Art.
338-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência:
Pena –
reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 1º A
configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que
deferiu as medidas.
§ 2º Na
hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial pode conceder
fiança.
§ 3º O
disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis.”
A Lei nº 15.280/2025 eleva de forma expressiva as penas dos
arts. 217-A, 218, 218-A, 218-B e 218-C, fazendo com que o estupro de vulnerável
e delitos correlatos atinjam patamares de até 40 anos de reclusão, com previsão
obrigatória de multa. Esse movimento reforça a centralidade da dignidade sexual
de pessoas vulneráveis como bem jurídico de alta relevância, aproximando tais
delitos, em termos de resposta punitiva, dos crimes mais graves do ordenamento.
Destaca-se, ainda, a criação do art. 338-A, que tipifica o
descumprimento de medidas protetivas de urgência, com pena de 2 a 5 anos de
reclusão e previsão de fiança apenas judicial, conferindo tutela penal direta
às ordens judiciais de proteção. O dispositivo aproxima o tratamento dos crimes
sexuais daquele já aplicado à violência doméstica, reforçando a lógica de
intolerância ao desrespeito às decisões protetivas.
Art. 6º Revoga-se o § 1º do art.
218-B do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).
Favorecimento da prostituição ou de outra forma de
exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável. (Redação dada
pela Lei nº 12.978, de 2014)
Art. 218-B. Submeter,
induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém
menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não
tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou
dificultar que a abandone: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de
2009)
§ 1o Se o crime é praticado com
o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. REVOGADO
Alterações no Código de Processo
Penal
Art. 2º
O Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal),
passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art.
300-A. O investigado por crimes contra a dignidade sexual, quando preso
cautelarmente, e o condenado pelos mesmos crimes deverão ser submetidos
obrigatoriamente à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA
(ácido desoxirribonucleico), por técnica adequada e indolor, por ocasião do
ingresso no estabelecimento prisional.”
“TÍTULO
IX-A
DAS
MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA”
“Art.
350-A. Constatada a existência de indícios da prática de crime contra a
dignidade sexual, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao autor, em conjunto ou
separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I –
suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão
competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do
Desarmamento);
II –
afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima, se
aplicável;
III –
proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a)
aproximação da vítima, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite
mínimo de distância entre esses e o autor;
b)
contato com a vítima, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de
comunicação;
c)
frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e
psicológica da vítima;
IV –
restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de
atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V –
prestação de alimentos provisionais ou provisórios;
VI –
comparecimento do autor a programas de recuperação e reeducação;
VII –
acompanhamento psicossocial do autor, por meio de atendimento individual e/ou
em grupo de apoio.
§ 1º As
medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na
legislação em vigor, sempre que a segurança da vítima ou as circunstâncias o
exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.
§ 2º Na
hipótese de aplicação do inciso I do caput deste artigo, encontrando-se o autor
nas condições mencionadas no caput e nos incisos do art. 6º da Lei nº 10.826,
de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento), o juiz comunicará ao
respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência
concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior
imediato do autor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob
pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o
caso.
§ 3º
Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz
requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.
§ 4º
Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto na Lei
nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
§ 5º Nos
casos previstos neste artigo, a medida protetiva de urgência será cumulada com
a sujeição do autor a monitoração eletrônica, disponibilizando-se à vítima
dispositivo de segurança que alerte sobre sua eventual aproximação.
§ 6º O
disposto neste artigo aplica-se, ainda, aos crimes cuja vítima esteja em
situação de vulnerabilidade, como crianças, adolescentes, pessoas com
deficiência ou incapazes, qualquer que seja o crime investigado.”
“Art.
350-B. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, a pedido
da autoridade policial, do Ministério Público ou da vítima, o juiz poderá
determinar a proibição do autor de exercer atividades que envolvam contato
direto com pessoa em situação de vulnerabilidade, quando houver prova da
existência do crime, indício suficiente de autoria e perigo gerado pelo estado
de liberdade do imputado.”
No âmbito processual, a introdução do art. 300-A torna
obrigatória a identificação do perfil genético (DNA) de investigados presos
cautelarmente e de condenados por crimes contra a dignidade sexual, integrando
a persecução penal a bancos de dados genéticos como instrumento de prevenção e
elucidação de delitos. Paralelamente, o novo Título IX-A institui um
microssistema de medidas protetivas de urgência, com destaque para afastamento
do agressor, restrições ao porte de arma, proibição de contato, monitoração
eletrônica e suporte à vítima por dispositivo de alerta.
O art. 350-B autoriza, em qualquer fase da investigação ou
do processo, a proibição de exercício de atividades com contato direto com
pessoas vulneráveis, sempre que presentes prova do crime, indícios de autoria e
perigo no estado de liberdade. Esse mecanismo cria uma ponte entre tutela penal
e proteção administrativa, permitindo a incidência sobre funções e profissões
que impliquem contato rotineiro com grupos vulneráveis.
Alterações na Lei de Execução
Penal
Art. 3º
A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), passa a vigorar
com as seguintes alterações:
“Art.
119-A. O condenado por crimes contra a dignidade sexual somente ingressará em
regime mais benéfico de cumprimento de pena ou perceberá benefício penal que
autorize a saída do estabelecimento se os resultados do exame criminológico
afirmarem a existência de indícios de que não voltará a cometer crimes da mesma
natureza.”
“Art.
146-E. O condenado por crime contra a mulher por razões da condição do sexo
feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 (Código Penal), ou por crimes contra a dignidade sexual, ao
usufruir de qualquer benefício em que ocorra a sua saída de estabelecimento
penal, será fiscalizado por meio de monitoração eletrônica.” (NR)
No plano da execução, o novo art. 119-A condiciona a
progressão de regime e benefícios que permitam saídas do estabelecimento
prisional à realização de exame criminológico, exigindo conclusão técnica de
ausência de risco de reiteração em crimes da mesma natureza.
O art. 146-E, por sua vez, torna obrigatória a monitoração
eletrônica para condenados por crimes contra a mulher por razões da condição do
sexo feminino e por crimes contra a dignidade sexual, sempre que houver saída
do estabelecimento.
Essas previsões ampliam o grau de controle pós-penal,
reforçando o caráter de vigilância contínua sobre agressores sexuais e
feminicidas, com forte ênfase na prevenção específica e na redução de
oportunidades de revitimização.
Ao mesmo tempo, revalorizam o exame criminológico como
filtro técnico para benefícios, reabrindo um debate clássico sobre seletividade
e discricionariedade na execução penal.
Alterações no ECA
Art. 4º
A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente),
passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art.
70-A.
...............................................................................................................................
II – a
integração com os órgãos de segurança pública, do Poder Judiciário, do
Ministério Público e da Defensoria Pública, com o Conselho Tutelar, com os
Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e com as entidades não
governamentais que atuam na promoção, na proteção e na defesa dos direitos da
criança e do adolescente;
.........
IX – a
promoção e a realização de campanhas educativas direcionadas ao público
escolar, a entidades esportivas, a unidades de saúde, a conselhos tutelares, a
organizações da sociedade civil, a centros culturais, a associações
comunitárias e outros espaços públicos de convivência e à sociedade em geral,
bem como a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos
humanos das crianças e dos adolescentes, incluídos os canais de denúncia
existentes;
” (NR)
“Art.
101.
................................................................................................................................
V –
requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime
hospitalar ou ambulatorial, extensivo às famílias, se for o caso, especialmente
em caso de vitimização em crime contra a dignidade sexual;
... ”
(NR)
No Estatuto da Criança e do Adolescente, a lei reforça a
articulação entre órgãos de segurança, sistema de justiça, conselhos e
entidades da sociedade civil, bem como a promoção de campanhas educativas e a
difusão dos instrumentos de proteção e canais de denúncia.
O art. 101 é ajustado para prever explicitamente a
possibilidade de requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico
às vítimas de crimes contra a dignidade sexual, com extensão às famílias quando
necessário.
Alterações no Estatuto da Pessoa
com Deficiência
Art. 5º
O inciso V do § 4º do art. 18 da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto
da Pessoa com Deficiência), passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art.
18.
..................................................................................................................................
§ 4º
........................................................................................................................................
V –
atendimento psicológico, inclusive para seus familiares e atendentes pessoais,
especialmente em caso de vitimização em crime contra a dignidade sexual;
” (NR)
Já o Estatuto da Pessoa com Deficiência passa a assegurar
atendimento psicológico, inclusive a familiares e atendentes pessoais, com
ênfase em hipóteses de vitimização sexual. Com isso, a lei desloca parcialmente
o foco exclusivo do agressor para a atenção continuada às vítimas, reforçando a
perspectiva de proteção integral e cuidado psicossocial.
6. Considerações Finais
A Lei nº 15.280/2025 articula aumento de pena, controles
mais rígidos na investigação e na execução (DNA, exame criminológico,
monitoração eletrônica) e expansão de medidas protetivas e assistenciais
voltadas a vítimas vulneráveis. Inserida em um contexto de 126 alterações
legislativas penais e correlatas em pouco mais de duas décadas, a norma
simboliza uma política criminal orientada por respostas incrementais de
endurecimento, simultaneamente pressionada pela agenda de direitos humanos para
estruturação de redes de proteção e prevenção à revitimização.
Referências
TELMO, TEMISTOCLES. 2022. JUSBRASIL. Em 23 anos (2002 a 2025). São 126 leis
alteradoras de Direito Penal, Processo Penal e Legislação Penal Especial. [Online]
JUSBRASIL, 2022. [Citado em: 08 de dezembro de 2025.]
https://www.jusbrasil.com.br/noticias/em-23-anos-2002-a-2025-sao-126-leis-alteradoras-de-direito-penal-processo-penal-e-legislacao-penal-especial/1734604671.
LEI
Nº 15.280, DE 5 DE DEZEMBRO DE 2025 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2025/Lei/L15280.htm