A Defesa Calada no STF, a Palavra Pela Ordem e a Constituição Ignorada


                                       Temístocles Telmo


No dia 9 de dezembro de 2025, na sessão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, o advogado Jeffrey Chiquini, defensor de Filipe Martins, foi retirado da tribuna em face da intimidação pela polícia judicial por ordem do ministro Flávio Dino. O defensor buscava exercer a palavra pela ordem para apontar dois vícios, a negativa do ministro Alexandre de Moraes em permitir a exibição de slides e a alegada inovação probatória trazida pela Procuradoria Geral da República nas alegações finais. 

Antes que concluísse sua manifestação, o presidente da Turma determinou sua retirada, calando a defesa no momento em que a intervenção era juridicamente indispensável.

A lei é objetiva. O artigo 7º, inciso X, do Estatuto da Advocacia e da OAB dispõe:

Art. 7º São direitos do advogado,

X, usar da palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal, órgão de deliberação coletiva da Administração Pública ou comissão parlamentar de inquérito, mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco, dúvida ou fato que influam no julgamento.

O dispositivo é claro, não admite filtro prévio, não exige autorização do magistrado, e existe justamente para impedir que o processo siga maculado por erro, acusação indevida ou compreensão equivocada de fato relevante. Ao impedir a fala antes mesmo de ouvi-la, o órgão julgador viola prerrogativa profissional, cerceia a ampla defesa e distorce o contraditório.

A discussão levantada pelo advogado dizia respeito a possível alteração do enquadramento jurídico por fatos apresentados tardiamente. Esse cenário, em tese, aciona o instituto da mutatio libelli, previsto no artigo 384 do Código de Processo Penal, que determina:


Art. 384, Encerrada a instrução probatória, se o juiz verificar que o fato é diverso do narrado na denúncia ou na queixa, deverá abrir vista ao Ministério Público para aditar a peça acusatória, no prazo de cinco dias, e a defesa poderá, no prazo de cinco dias, manifestar-se e arrolar até três testemunhas.

O núcleo do artigo é cristalino, se surge elemento novo, a defesa tem direito absoluto de se manifestar. A vedação da fala pela ordem, justamente quando o advogado busca registrar a inovação, inviabilizou a aplicação correta do art. 384 e deve gerar nulidade direta. Onde a defesa não pode reagir, não há devido processo legal.

Prerrogativa não é concessão protocolar. É garantia do cidadão representado pelo advogado. Quando o tribunal impede a palavra pela ordem, esvazia o contraditório e compromete a legitimidade de qualquer decisão futura. Defesa que não fala não existe. Justiça que a silencia abandona a Constituição.


Sobre o autor:
Temístocles Telmo: Doutor e Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Pós-Graduado lato senso em Direito Penal. Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Com 38 anos de experiência de atuação na Segurança Pública. Professor de Direito 
Criminal na PUC-Assunção. Advogado e membro da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção do Ipiranga da OAB São Paulo. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo e foi Secretário de Segurança de Santo André (2024-2025). É autor, coautor e organizador de 16 livros, com 
destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia

Da punição à proteção: a Lei nº 15.280/2025 e a consolidação de uma agenda legislativa de resposta à vulnerabilidade

 



Da punição à proteção: a Lei nº 15.280/2025 e a consolidação de uma agenda legislativa de resposta à vulnerabilidade

Temístocles Telmo[1]

 

Entrou em vigor na data de 08/12/25, a LEI Nº 15.280, DE 5 DE DEZEMBRO DE 2025. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para agravar a pena dos crimes contra a dignidade sexual de pessoa vulnerável; o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para prever medidas protetivas de urgência a vítimas de crimes contra a dignidade sexual e em situação de especial vulnerabilidade; a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para prever a monitoração eletrônica dos condenados por crime contra a dignidade sexual; a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer mecanismos de proteção a crianças e a adolescentes vítimas de crimes contra a dignidade sexual; e a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), para assegurar assistência psicológica e social especializada às pessoas com deficiência vítimas de crimes contra a dignidade sexual e a suas famílias.

A Lei nº 15.280/2025, promoveu diversas alterações no TÍTULO VI - DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL, do Código Penal. E ao mesmo tempo em que aprofunda o viés de recrudescimento da política criminal nos crimes sexuais, consolida uma arquitetura normativa de proteção integrada à vítima vulnerável, com reflexos no direito penal, processual penal, execução penal e legislações especiais.

Trata-se de alteração estrutural, que se soma a um ciclo de 126 normas modificadoras em cerca de 23 anos nesse campo, revelando um modelo de política criminal incremental, episódica e fortemente responsiva à pressão social por endurecimento. (TELMO, 2022)

 

Alterações no Código Penal

Art. 1º  O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 217-A. .............................................................................................................................

Pena – reclusão, de 10 (dez) a 18 (dezoito) anos, e multa.

............................................................................................................................................

§ 3º ...........................................................................................................................................

Pena – reclusão, de 12 (doze) a 24 (vinte e quatro) anos, e multa.

§ 4º ...........................................................................................................................................

Pena – reclusão, de 20 (vinte) a 40 (quarenta) anos, e multa.

.......................................................................................................... ” (NR)

“Art. 218. ..................................................................................................................................

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 14 (quatorze) anos, e multa.

............................................................................................. ” (NR)

“Art. 218-A. ...............................................................................................................................

Pena – reclusão, de 5 (cinco) a 12 (doze) anos, e multa.” (NR)

“Art. 218-B. ...............................................................................................................................

Pena – reclusão, de 7 (sete) a 16 (dezesseis) anos, e multa.

§ 1º (Revogado).

.................................................................... ” (NR)

“Art. 218-C. ...............................................................................................................................

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.

........................................................................ ” (NR)

 

“Descumprimento de medidas protetivas de urgência

Art. 338-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

§ 1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas.

§ 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial pode conceder fiança.

§ 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis.”

 

A Lei nº 15.280/2025 eleva de forma expressiva as penas dos arts. 217-A, 218, 218-A, 218-B e 218-C, fazendo com que o estupro de vulnerável e delitos correlatos atinjam patamares de até 40 anos de reclusão, com previsão obrigatória de multa. Esse movimento reforça a centralidade da dignidade sexual de pessoas vulneráveis como bem jurídico de alta relevância, aproximando tais delitos, em termos de resposta punitiva, dos crimes mais graves do ordenamento.

Destaca-se, ainda, a criação do art. 338-A, que tipifica o descumprimento de medidas protetivas de urgência, com pena de 2 a 5 anos de reclusão e previsão de fiança apenas judicial, conferindo tutela penal direta às ordens judiciais de proteção. O dispositivo aproxima o tratamento dos crimes sexuais daquele já aplicado à violência doméstica, reforçando a lógica de intolerância ao desrespeito às decisões protetivas.

Art. 6º Revoga-se o § 1º do art. 218-B do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).

Favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável. (Redação dada pela Lei nº 12.978, de 2014)

Art. 218-B.  Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.             (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 1o Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. REVOGADO

 

Alterações no Código de Processo Penal

Art. 2º O Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:

 

“Art. 300-A. O investigado por crimes contra a dignidade sexual, quando preso cautelarmente, e o condenado pelos mesmos crimes deverão ser submetidos obrigatoriamente à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA (ácido desoxirribonucleico), por técnica adequada e indolor, por ocasião do ingresso no estabelecimento prisional.”

 

“TÍTULO IX-A

DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA”

“Art. 350-A. Constatada a existência de indícios da prática de crime contra a dignidade sexual, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao autor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

 

I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento);

II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima, se aplicável;

III – proibição de determinadas condutas, entre as quais:

 

a) aproximação da vítima, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre esses e o autor;

b) contato com a vítima, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da vítima;

 

IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios;

VI – comparecimento do autor a programas de recuperação e reeducação;

VII – acompanhamento psicossocial do autor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.

 

§ 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da vítima ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.

 

§ 2º Na hipótese de aplicação do inciso I do caput deste artigo, encontrando-se o autor nas condições mencionadas no caput e nos incisos do art. 6º da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento), o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do autor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.

 

§ 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.

 

§ 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

 

§ 5º Nos casos previstos neste artigo, a medida protetiva de urgência será cumulada com a sujeição do autor a monitoração eletrônica, disponibilizando-se à vítima dispositivo de segurança que alerte sobre sua eventual aproximação.

 

§ 6º O disposto neste artigo aplica-se, ainda, aos crimes cuja vítima esteja em situação de vulnerabilidade, como crianças, adolescentes, pessoas com deficiência ou incapazes, qualquer que seja o crime investigado.”

 

“Art. 350-B. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, a pedido da autoridade policial, do Ministério Público ou da vítima, o juiz poderá determinar a proibição do autor de exercer atividades que envolvam contato direto com pessoa em situação de vulnerabilidade, quando houver prova da existência do crime, indício suficiente de autoria e perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.”

 

No âmbito processual, a introdução do art. 300-A torna obrigatória a identificação do perfil genético (DNA) de investigados presos cautelarmente e de condenados por crimes contra a dignidade sexual, integrando a persecução penal a bancos de dados genéticos como instrumento de prevenção e elucidação de delitos. Paralelamente, o novo Título IX-A institui um microssistema de medidas protetivas de urgência, com destaque para afastamento do agressor, restrições ao porte de arma, proibição de contato, monitoração eletrônica e suporte à vítima por dispositivo de alerta.

O art. 350-B autoriza, em qualquer fase da investigação ou do processo, a proibição de exercício de atividades com contato direto com pessoas vulneráveis, sempre que presentes prova do crime, indícios de autoria e perigo no estado de liberdade. Esse mecanismo cria uma ponte entre tutela penal e proteção administrativa, permitindo a incidência sobre funções e profissões que impliquem contato rotineiro com grupos vulneráveis.

 

Alterações na Lei de Execução Penal

Art. 3º A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:

 

“Art. 119-A. O condenado por crimes contra a dignidade sexual somente ingressará em regime mais benéfico de cumprimento de pena ou perceberá benefício penal que autorize a saída do estabelecimento se os resultados do exame criminológico afirmarem a existência de indícios de que não voltará a cometer crimes da mesma natureza.”

 

“Art. 146-E. O condenado por crime contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), ou por crimes contra a dignidade sexual, ao usufruir de qualquer benefício em que ocorra a sua saída de estabelecimento penal, será fiscalizado por meio de monitoração eletrônica.” (NR)

No plano da execução, o novo art. 119-A condiciona a progressão de regime e benefícios que permitam saídas do estabelecimento prisional à realização de exame criminológico, exigindo conclusão técnica de ausência de risco de reiteração em crimes da mesma natureza.

O art. 146-E, por sua vez, torna obrigatória a monitoração eletrônica para condenados por crimes contra a mulher por razões da condição do sexo feminino e por crimes contra a dignidade sexual, sempre que houver saída do estabelecimento.

Essas previsões ampliam o grau de controle pós-penal, reforçando o caráter de vigilância contínua sobre agressores sexuais e feminicidas, com forte ênfase na prevenção específica e na redução de oportunidades de revitimização.

Ao mesmo tempo, revalorizam o exame criminológico como filtro técnico para benefícios, reabrindo um debate clássico sobre seletividade e discricionariedade na execução penal.

 

Alterações no ECA

Art. 4º A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), passa a vigorar com as seguintes alterações:

 

“Art. 70-A. ...............................................................................................................................

 

II – a integração com os órgãos de segurança pública, do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, com o Conselho Tutelar, com os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e com as entidades não governamentais que atuam na promoção, na proteção e na defesa dos direitos da criança e do adolescente;

 

.........

IX – a promoção e a realização de campanhas educativas direcionadas ao público escolar, a entidades esportivas, a unidades de saúde, a conselhos tutelares, a organizações da sociedade civil, a centros culturais, a associações comunitárias e outros espaços públicos de convivência e à sociedade em geral, bem como a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das crianças e dos adolescentes, incluídos os canais de denúncia existentes;

 

 ” (NR)

 

“Art. 101. ................................................................................................................................

 

 

V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial, extensivo às famílias, se for o caso, especialmente em caso de vitimização em crime contra a dignidade sexual;

 

... ” (NR)

 

 

No Estatuto da Criança e do Adolescente, a lei reforça a articulação entre órgãos de segurança, sistema de justiça, conselhos e entidades da sociedade civil, bem como a promoção de campanhas educativas e a difusão dos instrumentos de proteção e canais de denúncia.

O art. 101 é ajustado para prever explicitamente a possibilidade de requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico às vítimas de crimes contra a dignidade sexual, com extensão às famílias quando necessário.

 

Alterações no Estatuto da Pessoa com Deficiência

Art. 5º O inciso V do § 4º do art. 18 da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), passa a vigorar com a seguinte redação:

 

“Art. 18. ..................................................................................................................................

 

§ 4º ........................................................................................................................................

 

 

V – atendimento psicológico, inclusive para seus familiares e atendentes pessoais, especialmente em caso de vitimização em crime contra a dignidade sexual;

 

” (NR)

Já o Estatuto da Pessoa com Deficiência passa a assegurar atendimento psicológico, inclusive a familiares e atendentes pessoais, com ênfase em hipóteses de vitimização sexual. Com isso, a lei desloca parcialmente o foco exclusivo do agressor para a atenção continuada às vítimas, reforçando a perspectiva de proteção integral e cuidado psicossocial.

 

6. Considerações Finais

A Lei nº 15.280/2025 articula aumento de pena, controles mais rígidos na investigação e na execução (DNA, exame criminológico, monitoração eletrônica) e expansão de medidas protetivas e assistenciais voltadas a vítimas vulneráveis. Inserida em um contexto de 126 alterações legislativas penais e correlatas em pouco mais de duas décadas, a norma simboliza uma política criminal orientada por respostas incrementais de endurecimento, simultaneamente pressionada pela agenda de direitos humanos para estruturação de redes de proteção e prevenção à revitimização.

 

Referências

TELMO, TEMISTOCLES. 2022. JUSBRASIL. Em 23 anos (2002 a 2025). São 126 leis alteradoras de Direito Penal, Processo Penal e Legislação Penal Especial. [Online] JUSBRASIL, 2022. [Citado em: 08 de dezembro de 2025.] https://www.jusbrasil.com.br/noticias/em-23-anos-2002-a-2025-sao-126-leis-alteradoras-de-direito-penal-processo-penal-e-legislacao-penal-especial/1734604671.

 

 LEI Nº 15.280, DE 5 DE DEZEMBRO DE 2025 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2025/Lei/L15280.htm



[1] Temístocles Telmo: Doutor e Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Pós-Graduado lato senso em Direito Penal. Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Com 38 anos de experiência de atuação na Segurança Pública. Professor de Direito Criminal na PUC-Assunção. Advogado e membro da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção do Ipiranga da OAB São Paulo. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo e foi Secretário de Segurança de Santo André (2024-2025). É autor, coautor e organizador de 16 livros, com destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.


Coincidências Não Voam, Elas Pousam Onde Convém


Temístocles Telmo


Brasília tem dessas, coincidências que só os ingênuos compram. No céu alto, onde a política respira ar rarefeito, um ministro embarca rumo à final da Libertadores. Um jato, um jogo, risos soltos entre nuvens. A bordo, não apenas torcedores do futebol, mas atores de um drama jurídico que, cá embaixo, mexe com o destino de investigações bilionárias. Parece conto para criança, e ainda nos pedem para acreditar que não se falou uma vírgula sobre processos, clientes e riscos. Difícil engolir.


O roteiro é simples e grita. Toffoli viaja, divide cabine com advogado ligado ao Banco Master. Dias depois, este mesmo advogado ingressa com pedido no STF. Logo na sequência, o ministro determina sigilo máximo e assume o controle da investigação. A impessoalidade, princípio que deveria ser coluna do Poder Judiciário, ficou perdida entre taças e cadeiras reclináveis. Coincidência? Brasília ri.


A lista de passageiros traz figuras além do acaso. Aldo Rebelo, pré candidato à Presidência, também estava por lá. Política, Justiça e Advocacia Criminal misturadas a 40 mil pés, um coquetel perigoso quando visto sob a lente do art. 144 do CPC, art. 254 do CPP e as regras éticas de impedimento e suspeição que, ao menos na teoria, blindam julgamentos de qualquer sombra de interesse. Quando o magistrado convive socialmente com quem atua no processo, mesmo sem configurar dolo, existe o risco de parcialidade aparente, o que já seria suficiente para afastamento voluntário. Aqui, bastaria prudência.


Enquanto isso, o povo cá embaixo observa. Pesquisa Quaest registra que quase metade dos brasileiros sente que o discurso dos direitos humanos serve apenas para proteger quem comete crimes. Não é preciso concordar com essa visão para enxergar o recado. A confiança na Justiça derrete. O cidadão comum olha para cima e vê um país onde decisões podem parecer influenciadas por proximidades, jantares, voos, amizades. E é nesta percepção que mora o perigo.


Resumo? A ópera não desafina, ela grita. Se os fatos não provam ilícito, ao menos levantam sobrancelhas. O ministro não está acusado de crime, mas, à luz da boa técnica jurídica, deveria ter se declarado impedido. Um gesto simples, de grandeza, salvaria a imagem do tribunal e preservaria a liturgia da toga.


A sociedade não é infantil. Brasília pode até tentar nos embalar com fábulas, mas o tempo já ensinou que onde há fumaça, há brasa. Não se trata de atacar pessoas, mas de lembrar que Justiça não pode apenas ser justa, precisa parecer justa. E ali, no alto do jato, ela perdeu altitude.


Sobre o autor:
Temístocles Telmo: Doutor e Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Pós-Graduado lato senso em Direito Penal. Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Com 38 anos de experiência de atuação na Segurança Pública. Professor de Direito 
Criminal na PUC-Assunção. Advogado e membro da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção do Ipiranga da OAB São Paulo. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo e foi Secretário de Segurança de Santo André (2024-2025). É autor, coautor e organizador de 16 livros, com 
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Verão Seguro 2025 2026, Manual de Dicas de Autoproteção e Convivência

 



Temístocles Telmo[1]



Verão Seguro 2025 2026, Manual de Dicas de Autoproteção e Convivência

Férias. Palavra que soa leve e quase salgada. Lembra sol, descanso, risos soltos, a brisa batendo no rosto e lembranças que ficam. Mas quem já viveu bastante sabe que a tranquilidade é irmã da prudência, e que segurança não pesa, apenas acompanha. Foi assim que nasceu este Manual de Dicas de Autoproteção e Convivência, feito para que cada viagem seja lembrança boa e não história amarga.

Preparei este material pensando no cidadão comum, na família que viaja com as crianças, no jovem que sai à noite, em quem pega estrada, no que vai para a praia, para a serra, para o campo ou para o exterior. Tudo em linguagem simples e direta, sem alarmar, apenas orientando. Pequenos cuidados que fazem diferença. Atenção que evita problemas. Conhecimento que protege.

Cuidar da vida é gesto de amor. É saber que alegria não dispensa responsabilidade e que o descanso merece voltar inteiro para casa. Segurança não é muro nem medo, é escolha, é hábito, é aquele toque discreto no ombro dizendo cuidado, aproveite, mas com atenção.

No Manual você encontra dicas práticas sobre viagens, hospedagem, estradas, mar, sol, eventos, golpes modernos, prevenção em casa quando estiver fora, primeiros contatos em emergência e outros temas que ajudam a passar o verão com mais paz. É material para guardar, consultar e compartilhar com quem você quer bem.

Desejo que cada dica vire atitude, que cada atitude vire proteção, e que seu verão seja cheio de luz, convívio e vida. Viva, celebre, sorria.
E volte para contar a história.

Acesse, leia e compartilhe o Manual. Informação salva vidas.

Dicas de autoproteção e convivência



[1] Temístocles Telmo: Doutor e Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Pós-Graduado lato senso em Direito Penal. Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Com 38 anos de experiência de atuação na Segurança Pública. Professor de Direito Criminal na PUC-Assunção. Advogado e membro da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção do Ipiranga da OAB São Paulo. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo e foi Secretário de Segurança de Santo André (2024-2025). É autor, coautor e organizador de 16 livros, com destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.

Quando o STF legisla sobre o próprio impeachment: a caneta que cala o Senado e o cidadão

 



Temístocles Telmo[1]

 

Depois de 75 anos, STF proíbe que Senadores pautem o Impeachment de Ministro da corte.

Acordamos em 2 de dezembro com mais uma intervenção profunda do STF nas regras do jogo político: em decisão monocrática, sempre assim, o ministro Gilmar Mendes alterou pontos centrais da Lei do Impeachment para tornar muito mais difícil punir ministros da própria Corte.[2][3][6][7]

Segundo noticiado exaustivamente pela imprensa, a liminar retirou do cidadão comum e até de parlamentares, a possibilidade de apresentar denúncia por crime de responsabilidade contra ministros do Supremo, concentrando essa prerrogativa exclusivamente na ProcuradoriaGeral da República.  Além disso, elevou o quórum para abertura de processo no Senado para dois terços dos votos e proibiu que o conteúdo das decisões judiciais seja usado como fundamento para pedir impeachment, o que, na prática, blinda ainda mais o Tribunal contra qualquer forma de responsabilização.

A decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes, ao restringir a legitimidade para pedir impeachment de ministros do STF exclusivamente ao Procurador‑Geral da República e alterar quórum e fundamentos da responsabilidade, inova o ordenamento e extrapola a função jurisdicional, configurando afronta ao sistema de freios e contrapesos e à repartição constitucional de competências.

 

Quadro normativo constitucional

O artigo 52, II, da Constituição estabelece que compete privativamente ao Senado Federal processar e julgar os ministros do STF nos crimes de responsabilidade, sem condicionar essa competência à iniciativa exclusiva de qualquer outro órgão.

SEÇÃO IV

DO SENADO FEDERAL

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

II processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

A decisão que concentra a iniciativa na PGR interfere de forma direta no exercício dessa competência política do Senado, redesenhando na prática o modelo de responsabilização sem passar pelo procedimento legislativo próprio de emenda constitucional.

 

Regime da Lei 1.079/1950

A Lei 1.079/1950 prevê, em dispositivo ainda vigente, a possibilidade de qualquer cidadão denunciar, perante o Senado Federal, ministros do STF e o Procurador‑Geral da República pelos crimes de responsabilidade que cometerem.

LEI Nº 1.079, DE 10 DE ABRIL DE 1950.

Define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento.

DA DENÚNCIA

Art. 14. É permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República ou Ministro de Estado, por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados.

A liminar, ao suspender a expressão “a qualquer cidadão” e ao declarar que somente o PGR pode formular denúncia contra membros do Poder Judiciário, substitui a regra definida em lei especial por um novo regime de legitimidade ativa, o que é típico de atuação legislativa e não de jurisdição constitucional estrita.

Violação dos freios e contrapesos

O modelo republicano brasileiro distribui poderes de investigação, acusação e julgamento de crimes de responsabilidade justamente para que um Poder controle o outro, com participação da sociedade por meio da legitimidade cidadã prevista na lei.

Ao concentrar a iniciativa de impeachment de ministros do STF em um único órgão (PGR), cuja chefia é indicada politicamente e frequentemente atua em processos perante o próprio Supremo, a decisão reduz substancialmente o controle externo da Corte, desequilibrando a relação entre Legislativo, Judiciário e sociedade.

Aspectos de inconstitucionalidade e ilegalidade

Sob o ponto de vista formal, a liminar altera, por via judicial, o conteúdo de lei especial e a própria dinâmica de exercício de competência do Senado, sem declarar simplesmente a não recepção de dispositivos incompatíveis com a Constituição, mas os substituindo por um novo arranjo normativo (exclusividade da PGR e quórum de dois terços para recebimento).

Materialmente, a medida restringe a participação cidadã e torna praticamente inoperante a responsabilização de ministros, em um contexto de reiterada expansão do STF sobre funções típicas dos demais Poderes, o que agrava o já fragilizado sistema de freios e contrapesos e pode ser qualificado como ato flagrantemente inconstitucional e ilegal. ​

 

Referências

[1] https://www.bbc.com/portuguese/articles/c20k1gj6xx8o

[2](https://g1.globo.com/politica/blog/camila-bomfim/post/2025/12/03/stf-decide-que-apenas-pgr-pode-pedir-impeachment-de-ministros-do-stf.ghtml)

[3](https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/gilmar-impeachment-ministros-stf-impossivel/)

[4](https://agenciabrasil.ebc.com.br/it/node/1670544)

[5](https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/12/03/decisao-de-gilmar-que-restringiu-impeachment-a-ministros-sera-analisada-na-proxima-semana.ghtml)

[6](https://www.congressoemfoco.com.br/noticia/114461/com-decisao-de-gilmar-apenas-pgr-podera-pedir-impeachment-entenda)

[7](https://www.cnnbrasil.com.br/politica/entenda-lei-sobre-impeachment-no-stf-e-o-que-muda-com-a-decisao-de-gilmar/)

 



[1] Temístocles Telmo: Doutor e Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Pós-Graduado lato senso em Direito Penal. Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Com 38 anos de experiência de atuação na Segurança Pública. Professor de Direito Criminal na PUC-Assunção. Advogado e membro da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção do Ipiranga da OAB São Paulo. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo e foi Secretário de Segurança de Santo André (2024-2025). É autor, coautor e organizador de 16 livros, com destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.

Impedimento e suspeição no processo penal, um olhar crítico sobre os artigos do CPP e a realidade que insiste em ultrapassar a letra fria da lei

 



Temístocles Telmo[1]

Os fatos

Desembargadora que soltou Vorcaro foi defendida pelo mesmo advogado do banqueiro. Solange Salgado, do TRF-1, foi acusada de fraude em 2010 e teve o auxílio do escritório Bottini & Tamasauskas, o mesmo escritório que representa Daniel Vorcaro, dono do Banco Master, defendeu a desembargadora Solange Salgado, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em uma acusação de fraude.

A magistrada foi responsável pela decisão que soltou o executivo na sexta-feira 28. A apuração é do jornalista Felipe Moura Brasil . Em meio ao processo, Solange foi defendida pelo escritório Bottini & Tamasauskas Advogados, pertencente a Pierpaolo Cruz Bottini. Dois advogados do escritório, incluindo o próprio Bottini, fazem parte da defesa de Vorcaro no caso da fraude no Banco Master (RACHEL DIAZ - OESTE, 2025)

O Código de Processo Penal sempre guardou com zelo a figura do juiz imparcial. Essa imparcialidade representa a espinha dorsal do processo penal. Sem ela, o direito vira ruído, disputa de poder, teatro mal ensaiado. As regras de impedimento e suspeição são a guardiã dessa imparcialidade. São o cuidado tradicional com o julgador que não deve ter sombra, dívida, ou laço que incline ou desvie.

A imparcialidade do juiz é a materialização do próprio princípio do Juiz Natural, em que aqueles que se socorrem do Poder Judiciário, terão a garantia de serem julgados por um juiz com jurisdição, competente e imparcial. Suspeição e Impedimento, são o próprio controle de competência, exercido pelo juiz.

Por isso, que este artigo revisita essas previsões, analisa seus limites, e encara o desconforto que surge quando a vida real apresenta situações que passam raspando pela lei, mas que exigem resposta firme.

 

Estrutura legal do impedimento e da suspeição

O CPP organiza o tema em dois blocos distintos. De um lado, o impedimento, nascido de situações objetivas. De outro, a suspeição, sustentada em vínculos subjetivos entre o juiz e as partes.

No campo do impedimento, a lei trata de situações em que o juiz não pode atuar, independentemente de sua vontade ou intenção. Por exemplo, o juiz será impedido se seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, até terceiro grau, atuar como defensor, membro do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito. Também se inclui a hipótese de ter atuado anteriormente no processo, ou de ser parte interessada ou diretamente envolvida no feito.

Suspeição. O instituto da Suspeição delimita as hipóteses em que o magistrado fica impossibilitado de exercer sua função em determinado processo, devido a vinculo subjetivo (relacionamento) com algumas das partes, fato que compromete seu dever de imparcialidade. Por exemplo, é considerado como suspeito o juiz que tem relação de proximidade com participante da ação judicial sob sua jurisdição, seja por amizade ou inimizade, por tê-las aconselhado, ser credor ou devedor das mesmas, for sócio de empresa interessada no processo, dentre outras. As hipóteses de suspeição estão previstas no artigo 254 do Código De processo Penal, bem como no artigo 145 do Código de Processo Civil. (TJDFT, 2021)

Art. 254.  O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:

I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;

II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia;

III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes;

IV - se tiver aconselhado qualquer das partes;

V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes;

Vl - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.

Impedimento. No instituto do Impedimento, a lei relaciona expressamente os casos em que o magistrado fica impossibilitado de atuar, independe de sua intenção no processo ou de sua relação com as partes. As causas de impedimento também decorrem do dever de imparcialidade do juiz, mas se referem à sua relação com o processo. (TJDFT, 2021)

Cabe ressaltar que a hipótese de suspeição e impedimento são aplicáveis também aos membros do Ministério Público; auxiliares da justiça (ex: servidores, peritos ); e demais sujeitos imparciais do processo, como os jurados.

Art. 252.  O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que:

I - tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito;

II - ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha;

III - tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão;

 IV - ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito.

 

O artigo 255 complementa que, no caso de parentesco por afinidade, o impedimento ou suspeição cessa com a dissolução do casamento que lhe deu causa, salvo se houver descendentes; mas, ainda que dissolvido o casamento sem descendentes, continuam vedadas as funções de juiz para sogro, padrasto, cunhado, genro ou enteado da parte.

Art. 255.  O impedimento ou suspeição decorrente de parentesco por afinidade cessará pela dissolução do casamento que Ihe tiver dado causa, salvo sobrevindo descendentes; mas, ainda que dissolvido o casamento sem descendentes, não funcionará como juiz o sogro, o padrasto, o cunhado, o genro ou enteado de quem for parte no processo.

Por fim, o artigo 256 veda a declaração ou o reconhecimento da suspeição quando a parte, de propósito, der motivo para criá-la, ou injuriar o juiz.

O impedimento impõe a nulidade automática da jurisdição, o juiz não pode julgar. Não se discute intenção, afeto, ou afinidade. A lei impõe. A suspeição exige demonstração concreta de vínculo, risco de parcialidade. É campo de ponderação, de análise, de prova.

Na prática, o impedimento protege com mais força a imparcialidade, ainda que de modo rígido. A suspeição, apesar de importante, traz consigo o risco da subjetividade, da argumentação estratégica, da disputa interpretativa.

 O vácuo entre a letra da lei e a complexidade da vida real

O problema vem quando a vida apresenta situações que a lei não adere de forma clara. Relações profissionais anteriores. Escritórios que defendem investigados ou denunciados. Advogados que um dia patrocinaram causas, cujos clientes agora estão diante do juiz. Vínculos que não se confundem com amizade íntima, nem com parentesco. Mas que podem gerar no fundo, nas veias da justiça, um conflito de interesses sutil, profundo, invisível.

O texto do CPP não prevê explicitamente “vínculo profissional anterior ou atuação advocatícia prévia” como causa automática de impedimento ou de suspeição. As hipóteses objetivas não cobrem esse tipo de relação. E as subjetivas, embora amplas, amizade, débito, sociedade, exigem prova de proximidade ou interesse direto. Por isso mesmo, muitas situações ficam em um limbo desconfortável: nada impede formalmente, mas tudo suscita questionamentos legítimos.

Quando a norma foi escrita, 1941, os atores do sistema talvez não imaginassem a teia que hoje compõe as relações de defesa, poder, influência, banca, capital simbólico e econômico. A lei assenta sobre um mundo mais simples. O mundo atual exige mais clareza, mais amplitude, normas que acompanhem a complexidade.

Riscos para o processo penal e para a confiança pública

Quando o sistema jurídico não consegue lidar com esse palco moderno de interesses cruzados, alimenta a sensação de privilégio. Aumenta a percepção de que certas causas têm tratamento diferenciado, portões que se abrem para quem conhece as chaves certas.

A justiça perde brilho. A impessoalidade real, requisito essencial para credibilidade, se fragiliza.

A norma deveria ser escudo, ela filtra o óbvio, o escancarado. Mas, diante dos vínculos sutis, ela age mais como peneira. Filtra o grosso, deixa passar o tênue, muitas vezes invisível. E esse tênue, quando transformado em decisão, pode ferir a legitimidade do processo.

Como sempre criticamos também a decisão do STF que invalidou ampliação de impedimento de juízes, ao entender a corrente majoritária, que a regra do novo CPC ofende o princípio da proporcionalidade.

O Supremo derrubou o inciso VIII do artigo 144 do CPC e, com isso, abriu caminho para uma leitura mais enxuta do impedimento. A Corte afirmou que a ampliação criada pelo novo Código era desproporcional, porque exigia do magistrado o impossível, descobrir carteiras de clientes de terceiros, e ainda permitia que as partes usassem a regra como manobra para escolher julgadores.

  Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:

[...]

VIII - em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório;  (Vide ADI 5953)

No voto condutor, Gilmar Mendes lembrou que a imparcialidade já está resguardada pelo artigo 144, inciso III, que trata da atuação direta de parente até o terceiro grau no processo. E destacou algo decisivo, o parágrafo terceiro do mesmo artigo continua valendo, mas ele só trata do impedimento quando o parente do juiz for membro de escritório que tenha mandato naquele caso específico. Fora disso, não há impedimento. A decisão do STF deixa cristalino que o simples fato de o parente trabalhar no mesmo escritório não afasta o magistrado, basta que o parente não esteja ligado ao mandato discutido no processo.

A maioria, composta por Dias Toffoli, Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Nunes Marques, André Mendonça e Cristiano Zanin, acompanhou essa linha. Ficaram vencidos Fachin, Barroso, Rosa Weber e Cármen Lúcia.

Resultado, na ADI 5953, o STF declarou inconstitucional a ampliação do impedimento. E manteve a tradição, a de que o juiz só se afasta quando há vínculo real com o caso, não quando há parentesco distante no mesmo escritório sem relação com a causa. Uma volta à objetividade que dá ao processo a serenidade que nunca deveria ter sido perturbada. (STF, 2023)

Assim, repetimos, discordamos inclusive da justificativa do voto do ministro condutor: “...porque exigia do magistrado o impossível, descobrir carteiras de clientes de terceiros...”. Não se trata do magistrado e qualquer advogado. Mas sim do magistrado e seu cônjuge.

 

Conclusão crítica

O CPP cumpre, em grande medida, sua missão histórica. Define com clareza o impedimento. Estrutura a suspeição. Preserva a tradição da neutralidade judicial. Essas bases são fundamentais, representam o patamar mínimo de justiça.

Mas a lei já não responde com firmeza a determinadas situações modernas, sobretudo quando envolvem relações profissionais pregressas entre magistrados e advogados que atuam em causas sensíveis. A letra da lei permanece, a vida avança. A jurisprudência, a ética, a percepção social pressionam por maior amplitude.

O processo penal exige que a imparcialidade não seja apenas real, mas visível, transparente, incontestável. Até que se avance arduamente nesse caminho, seguirá existindo terreno nebuloso, onde tudo é permitido pela lei, mas nem tudo é prudente.

E o processo penal, que já é frágil por natureza, perde parte de seu vigor, de sua credibilidade, de seu dever ancestral de justiça verdadeira.

 

Referências

RACHEL DIAZ - OESTE. 2025. Desembargadora que soltou Vorcaro. OESTE. [Online] OESTE, 01 de DEZEMBRO de 2025. [Citado em: 02 de DEZEMBRO de 2025.] https://revistaoeste.com/politica/desembargadora-que-soltou-vorcaro-foi-defendida-pelo-mesmo-advogado-que-o-banqueiro/.

STF. 2023. STF invalida ampliação de impedimento de juízes. STF. [Online] STF, 21 de AGOSTO de 2023. [Citado em: 02 de DEZEMBRO de 2025.] https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=512602&ori=1.

TJDFT. 2021. Suspeição X Impedimento. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. [Online] Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, 26 de MARÇO de 2021. [Citado em: 02 de DEZEMBRO de 2025.] https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/suspeicao-x-impedimento?utm_source=chatgpt.com.

 



[1] Temístocles Telmo: Doutor e Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Pós-Graduado lato senso em Direito Penal. Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Com 38 anos de experiência de atuação na Segurança Pública. Professor de Direito Criminal na PUC-Assunção. Advogado e membro da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção do Ipiranga da OAB São Paulo. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo e foi Secretário de Segurança de Santo André (2024-2025). É autor, coautor e organizador de 16 livros, com destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.