STJ — “Nem Leve Nem Pesado: Se Não Passar de 117g, Tá Liberado!”

 


STJ — “Agora é 117g: O Novo ‘Peso’ do Direito!”

Temístocles Telmo[1]

Ativismo Garantista das Cortes e o Labirinto Jurídico Brasileiro

A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) do dia 02/10/25, desclassificando o tráfico para porte para consumo de 117g de maconha, evidencia um ativismo garantista da corte, alinhado com o Supremo Tribunal Federal (STF), que, na ausência de regulamentação legislativa, também acabou por avançar sobre competências tipicamente do Poder Legislativo, mas fixando limite de 40g de maconha, como conduta despenalizadora.

Ativismo das Cortes Superiores

O STJ segue a esteira do STF ao promover uma espécie de despenalização de fato para o porte de drogas até certo limite, mesmo sem respaldo legal detalhado do Congresso Nacional, que permanece omisso e silente, preocupado, por exemplo, com a chamada "PEC da Blindagem". Tal postura das cortes, embora atenta ao princípio penal do in dubio pro reo, resulta em efetivo esvaziamento do art. 28 da Lei 11.343/06, atribuindo à magistratura a fixação indireta de parâmetro quantitativo para diferenciar usuário de traficante.

Descompasso com a Realidade das Ruas

Embora a decisão traga salvaguardas para o direito de defesa, ignora completamente a ausência de procedimentos definidos para a atuação policial. Não é plausível exigir que policiais civis, militares ou guardas municipais portem uma balança de precisão, devidamente aferida pelo INMETRO, a cada abordagem. Tal exigência aproxima-se do surrealismo jurídico, desconsiderando as profundas dificuldades enfrentadas pelos agentes de segurança, que na prática têm de decidir, sob enorme pressão, em questões cercadas de insegurança jurídica e alto risco pessoal.

Incentivo à Impunidade e Erosão da Política Criminal

Decisões judiciais dessa natureza, ao criarem compreensão subjetiva e benevolente sobre o que seria quantidade para uso pessoal, acabam por alimentar a impunidade e enfraquecer a repressão ao tráfico, ignorando a origem ilícita da droga. Na prática, contribuem para a manutenção e ampliação da indústria do crime, fornecendo combustível econômico à cadeia de delitos que inclui furtos, roubos e formação de organizações criminosas. A sociedade, por sua vez, paga o preço com a sensação crescente de insegurança e aumento dos crimes patrimoniais. Ao desconsiderar a complexidade e gravidade do problema, ignora-se o impacto social do consumo, sobretudo em áreas vulneráveis, contribuindo para o ciclo vicioso de criminalidade e tráfico. 

Esses e outros temas dissociados da realidade cotidiana brasileira serão explorados em nosso novo livro:

ENTRE LEIS E ALGEMAS: O POLICIAL BRASILEIRO NO LABIRINTO GARANTISTA (no prelo)

A obra aprofundará o abismo entre as decisões judiciais de cúpula e o cotidiano dos profissionais da segurança pública, bem como o impacto da omissão do Congresso Nacional em regulamentar temas centrais para o funcionamento do sistema penal.

Decisão do STJ – Síntese e Fundamentação

No caso analisado, um acusado fora preso com 117g de maconha e inicialmente condenado por tráfico (art. 33 da Lei 11.343/2006). A Sexta Turma do STJ, por unanimidade, desclassificou a conduta para posse para consumo próprio (art. 28), destacando que a quantidade de droga e os antecedentes criminais do acusado, por si sós, não configuram tráfico diante da ausência de elementos concretos de mercancia. O voto condutor, do ministro Antonio Saldanha Palheiro, enfatizou que "a quantidade de droga apreendida, por si só, não caracteriza tráfico de drogas, sem elementos concretos de traficância", reafirmando que o direito penal deve ser orientado pelo princípio do in dubio pro reo. (AgRg no HC 1014038/STJ, 6ª Turma, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 01/10/2025)

Percebemos, mais uma vez que decisões judiciais de tal natureza, fragilizam o sistema de persecução penal brasileiro, pois são dissociadas da experiência cotidiana de policiais e da sociedade. Por isso que é urgente a necessidade de um debate público informado e crítico, por quem conhece as ruas, não burocratas que em seus gabinetes, se julgam especialistas

Conclusão

Conclui-se que a atuação do STJ ao redefinir, na prática, limites para o porte de drogas ilustra a distância entre o ideal garantista das altas cortes e o drama diário das ruas brasileiras. No vazio deixado pelo Congresso, a Corte atribui parâmetros e cria — sob ares de segurança jurídica — uma nebulosa rotina de incerteza para agentes da lei. Ao invés de pacificar, decisões como esta reforçam a sensação de impunidade, fragilizando as bases da repressão ao tráfico e tornando o sistema de justiça refém de seus próprios contrassensos. Mais uma vez, restou ao policial a ingrata missão de “pesar” sozinho as contradições do direito nacional.

Referência

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no HC 1.014.038/SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 3 set. 2025, DJe 9 set. 2025. Disponível em: https://sintesecriminal.com/stj-a-apreensao-de-117g-de-maconha-por-si-so-nao-e-suficiente-para-caracterizar-trafico-ainda-que-o-acusado-ostente-antecedentes/. Acesso em: 4 out. 2025.



[1] Temístocles Telmo: É Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com 38 anos de atuação na área de Segurança Pública. Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Pós-graduado em Direito Penal. Advogado e atua como membro consultor da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção da OAB/SP – Ipiranga. É professor universitário há 17 anos na área de Direito Criminal, com atuação na PUC-Centro Universitário Assunção São Paulo e no Programa de Doutorado da Polícia Militar do Estado de São. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo e foi Secretário de Segurança de Santo André (2024-2025). É autor, coautor e organizador de 16 livros, com destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.


Um comentário:

  1. Uma pessoa ímpar que sempre pensou e pensa no próximo e uma sociedade melhor hj os CONSEGS são referência em vizinhança solidária "pvs". De sua autoria obrigado por tudo

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Muito obrigado por seu interesse e participação