SÚMULA VINCULANTE Nº 63 — O “PRIVILÉGIO” QUE DESMORALIZA O COMBATE AO TRÁFICO



Por Temístocles Telmo Ferreira Araújo

Quando o garantismo vira escudo

Diz-se que o Direito Penal existe para proteger o homem contra o abuso do Estado. Mas, aos poucos, o garantismo penal se transformou em escudo para o infrator — e a sociedade ficou desprotegida.

A nova Súmula Vinculante nº 63, aprovada pelo Supremo Tribunal Federal, firma que o tráfico privilegiado (art. 33, §4º, da Lei 11.343/2006) não é crime hediondo.

Com isso, abre-se a porta para regimes mais brandos, progressão acelerada e livramento condicional facilitado.

Mais uma vez, o STF legisla à revelia da sociedade — como já fizera ao fixar 40g como parâmetro para consumo pessoal, na prática descriminalizando o porte de drogas.

E segue o mesmo caminho trilhado pelo STJ, que reconheceu tráfico privilegiado até 117g, ampliando o conceito de “usuário” e “privilegiado” muito além do razoável.

⚙️ O que efetivamente mudou

  1. O tráfico privilegiado deixou de ser hediondo;
  2. Progressão e livramento devem seguir regras mais leves;
  3. A antiga Súmula Vinculante 9 foi revogada — agora a perda de dias remidos por falta grave fica limitada a até 1/3, conforme a Lei 12.433/2011;
  4. A decisão tem efeito vinculante: obriga todo o Judiciário e a Administração Pública.

🩸 O preço social do privilégio

O tráfico de drogas é o crime que sustenta o crime organizado, corrói a juventude e mina a autoridade do Estado.

Não há como relativizar sua gravidade sob o argumento da “proporcionalidade”.

Cada grama “privilegiada” financia o poder paralelo e destrói vidas.

A decisão, travestida de técnica, ignora o contexto social.

Enquanto o STF legisla e o STJ expande interpretações, a base da pirâmide paga o preço — nas ruas, nas famílias, nas escolas, e nas comunidades dominadas pelo tráfico.

🧩 Um garantismo sem equilíbrio

O garantismo autêntico protege o inocente. Mas o garantismo que se pratica hoje serve ao culpado, desmoraliza o policial, confunde o magistrado de base e fragiliza a confiança da população.

Não é exagero dizer que o Judiciário brasileiro tem legislado sob a capa da hermenêutica, substituindo o papel do Parlamento e minando o sentido da legalidade democrática.

📉 Consequências práticas imediatas

  1. Regime menos severo para crimes que antes exigiam rigor;
  2. Redução do tempo efetivo de cumprimento da pena;
  3. Sinal institucional de enfraquecimento da repressão penal;
  4. Estímulo indireto à reincidência e à infiltração do crime organizado nas brechas legais.

⚖️ Legislar sem mandato

Ao fixar quantidades, criar exceções e redefinir conceitos penais, STF e STJ cruzaram a linha da jurisdição e assumiram a função legislativa.

E o pior: sem o contraditório público, sem a legitimidade da representação popular e sem o senso de quem vive a realidade do combate diário.

O resultado é o que estamos vendo:

  1. STF — “Descriminaliza” o porte até 40g;
  2. STJ — “Privilegia” até 117g;
  3. Agora, a Súmula Vinculante 63 transforma o tráfico privilegiado em crime comum, retirando-lhe o caráter hediondo.

Um passo de cada vez — e o sistema penal se desfaz.

🔍 O que está em jogo

Não se trata de defender o endurecimento cego da lei, mas de resgatar o equilíbrio entre garantias e deveres.

Nenhum país sobrevive quando a Justiça se descola da realidade social.

O papel do STF é julgar conforme a Constituição — não substituir o legislador em políticas criminais.

A toga não pode ser instrumento de desordem.

🕊️ Conclusão — O Estado ajoelhado

Vivemos o paradoxo do Estado garantista:

protege o criminoso, mas esquece a vítima;
fala em direitos, mas cala diante do dever.

O garantismo penal em marcha é o retrato de um país em que a impunidade ganhou status de doutrina e a toga, o peso de uma caneta que corrige a lei sem legitimidade popular.

🔗 Referências

  1. Súmula Vinculante nº 63, STF — setembro de 2025.
  2. STF – Porte para uso pessoal até 40g (descriminalização de fato).
  3. STJ – Tráfico privilegiado reconhecido até 117g de droga.
  4. CNN Brasil – Crime organizado se espalha pela economia e fatura R$ 350 bi em três anos.
  5. STJ: nem leve, nem pesado, se não passar de 40g

Sobre o autor: Temístocles Telmo: Doutor e Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Pós-Graduado lato senso em Direito Penal. Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Com 38 anos de experiência de atuação na Segurança Pública. Professor de Direito Processual Penal, Direito Penal, Prática Jurídica Penal e Polícia em Sociedade Democrática. Advogado e membro Consultor da Comissão de Segurança Pública da OAB São Paulo, 100ª Subseção do Ipiranga. Autor, coautor e organizador de 16 (dezesseis) livros. É escritor, articulista e poeta. Possui 108 condecorações na carreira, com destaque para a Medalha Valor Militar Grau Ouro, Medalha Brigadeiro Tobias, Medalha Sesquicentenária da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Láurea do Mérito Pessoal em 1º Grau e os Títulos Honorários de Cidadão do Município de Santo André e Mauá.

Um comentário:

  1. Concordo, troca de valores e que perde é a sociedade! A OAB, NADA!!!

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