A Lei da Anistia, o STF e a Fragilidade Atual do Congresso Nacional: Diagnóstico de um Processo Legislativo Submisso


**Temístocles Telmo**

Resumo: A anistia é instituto jurídico de clemência, previsto constitucionalmente e tradicionalmente aplicado em situações de tensão política e social. No Brasil contemporâneo, o tratamento da anistia — transformada em projeto de redução de penas por pressão do STF e do Executivo — revela a fragilidade do Congresso Nacional e ameaça o equilíbrio democrático dos poderes. O texto aborda os fundamentos legais da anistia, sua previsão constitucional, limitações materiais, e contrapõe o quadro normativo ao contexto político atual.

Palavras-chave: anistia; dosimetria; STF; Congresso Nacional; Constituição; democracia.

Conceito Jurídico e Previsão Legal da Anistia

Anistia é o perdão concedido pelo Estado a pessoas ou grupos que cometeram determinados crimes, geralmente de natureza política, apagando os efeitos legais dessas infrações como se nunca tivessem ocorrido.

Conceito Jurídico

A palavra “anistia” vem do grego “amnestía”, que significa “esquecimento”, refletindo a ideia de extinguir a punição e as consequências do crime no histórico do infrator. No Brasil, a anistia deve ser concedida por lei aprovada pelo Congresso Nacional, e é comum em situações delicadas como transições políticas ou pacificação social.

Finalidade e Contexto

A anistia é utilizada em momentos críticos — revoluções, greves e regimes autoritários — visando promover reconciliação e restaurar a ordem civil. O exemplo mais emblemático foi a Lei da Anistia de 1979, que permitiu o retorno de exilados políticos e reabilitou direitos civis de anistiados envolvidos nos conflitos políticos do período militar.

Diferença em Relação a Indulto e Graça

Diferentemente do indulto, que é individual e concedido pelo presidente da República por decreto, a anistia é coletiva, exige lei específica, e elimina não só a pena, mas também todas as consequências legais do crime. A graça, por sua vez, é um perdão individual, também presidencial, que não apaga a ficha criminal.

Portanto, anistia é o perdão coletivo concedido por lei, normalmente para crimes políticos, extinguindo a punibilidade e os efeitos penais dos atos praticados. Seu fundamento está na soberania legislativa e tem papel de restaurar direitos e promover pacificação social[1][2].

"A anistia, cuja outorga é da exclusiva competência do Congresso Nacional..." (Senado Federal, CF art. 66, V)[2]

No ordenamento brasileiro atual, a Constituição Federal de 1988 prevê e limita a concessão de anistia:

Competência:
- *Art. 21, XVII*: "Compete à União conceder anistia..."
- *Art. 48, VIII:* "Cabe ao Congresso Nacional dispor sobre temas de sua competência, inclusive anistia..."

Limitações:

- *Art. 5º, XLIII:* “A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça, anistia ou indulto a prática de tortura, tráfico de drogas, terrorismo e crimes hediondos.”
- *ADCT, art. 8º:* "É concedida anistia aos atingidos por atos de exceção entre 1946 e 1988, excluídos os ministros militares..."[1][3]

A anistia foi aplicada, por exemplo, pela Lei nº 6.683/1979 em contexto de transição política, e também pela Lei nº 8.878/1994 para servidores públicos demitidos por motivos políticos[4][5].

Diferença Entre Anistia e Redução de Pena

- Anistia tradicional implica o perdão pleno, apagando os efeitos penais e tornando os atos como se nunca tivessem ocorrido.

- Redução de pena, por sua vez, consiste numa medida em que a lei retroage para beneficiar os condenados reduzindo o tempo de cumprimento de suas penas, porém sem extinguir completamente a punição.

- O Congresso pode propor leis que reduzam as penas mínimas dos tipos penais configurados, fazendo com que réus já condenados sejam beneficiados retroativamente, segundo o princípio penal do benefício.

Contexto Atual no Brasil

O debate sobre atos golpistas de 8 de janeiro levou o relator Paulinho da Força a propor a substituição de anistia por uma redução de penas, privilegiando a pacificação social, com benefícios estendidos a todos os condenados, mas sem a extinção total da punibilidade.

A aplicação dessa redução se daria apenas para os tipos penais alterados no projeto, sendo que delitos contra a democracia e Estado de Direito, por princípio constitucional e jurisprudência do STF, não podem ser anistiados ou receber indulto.

Portanto, embora o termo “anistia” envolva perdão total, pode-se aprovar leis que apenas reduzam penas de crimes específicos — o que não é anistia no sentido jurídico clássico, mas sim um benefício penal por redução de dosimetria.

O Contexto Atual e a Fragilidade Institucional do Congresso

Apesar da clareza constitucional, o debate sobre anistia hoje revela processo legislativo submisso, fortemente influenciado por manifestações prévias do STF e do presidente da República, bloqueando o exercício livre do poder legislativo.

O relator do projeto em discussão, Paulinho da Força, expressou essa subordinação:

"Não é de anistia, é de dosimetria. Nós não queremos e não vamos fazer nenhum projeto que vá de encontro ao Supremo. Anistia já foi considerada inconstitucional pelo Supremo. Então, qualquer projeto que fale de anistia não vai para lugar nenhum."[6]
"Esse é um projeto para todos e não para uma pessoa... Aqueles que atentaram contra a democracia e o Estado Democrático de Direito não serão contemplados."[6]

O STF já se manifestou que anistia ampla ou voltada para crimes contra o Estado Democrático é inconstitucional, fundamentando-se no princípio do artigo 5º, que torna tais crimes inafiançáveis e insuscetíveis de anistia ou indulto[1][3]:

"Por coerência interna da Constituição, tais crimes seriam impassíveis de anistia. Assim entendeu o ministro Dias Toffoli... ao julgar a graça concedida a Daniel Silveira."[3]

O presidente da República também declarou publicamente:

"Já declarei: vetarei qualquer projeto que conceda anistia irrestrita."[7][8]

Consequências para o Sistema de Freios e Contrapesos

Esse contexto revela um grave desequilíbrio constitucional. O procurador natural da anistia e do perdão político — o Congresso Nacional — foi reduzido à condição de executor de ordens e antecipações judiciais e políticas. As decisões passaram a ser ditadas não por projeto legislativo discutido amplamente, mas pelas orientações daqueles que controlam o destino político do país[9][10].

A tramitação acelerada e com urgência para votação, frequentemente sem rascunho consolidado, evidenciou o enfraquecimento da autonomia legislativa:

"Até agora não tem nem rascunho, estamos conversando ainda, será algo curto e grosso, focado em redução de penas."[6]

Exclusão de Oposição e Precariedade do Debate

A oposição política permanece marginalizada ou obrigada a aceitar a versão restritiva do governo e do Judiciário:

"A oposição concluiu que seria melhor ficar com a anistia do governo do que não ter anistia nenhuma. Aquela não era a anistia ideal, mas a possível."[11]
"Parlamentares apresentaram emendas para ampliar a anistia, mas foram vencidos. A crítica à exclusão foi contundente."[12]

Conclusão

A anistia é prerrogativa constitucional exclusiva do Congresso Nacional, instrumento legítimo para corrigir distorções políticas e buscar pacificação nacional. O contexto atual, contudo, mostra que tal prerrogativa foi dramaticamente esvaziada. O Legislativo perdeu autonomia e protagonismo no processo de debate e decisão sobre o tema, submetendo-se ao STF e ao Executivo, em grave prejuízo democrático. Só a restauração do processo livre e soberano poderá fortalecer o sistema de freios e contrapesos e garantir o papel constitucional do Parlamento.

Referências

[1] Anistia na Constituição: Veja histórico do instituto no Brasil https://www.migalhas.com.br/quentes/426911/anistia-na-constituicao-veja-historico-do-instituto-no-brasil

[2] a anistia e o direito de graça - Senado Federal https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/180679/000347575.pdf?sequence=1&isAllowed=y

[3] Anistiar crimes contra democracia é inconstitucional, dizem ... https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2024-09/anistiar-crimes-contra-democracia-e-inconstitucional-dizem-juristas

[4] L6683 - Planalto https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6683.htm

[5] L8878 - Planalto http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8878.htm

[6] Relator diz que não quer projeto que tenha embate com ... - G1 https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2025/09/19/relator-projeto-da-dosimetria-stf-camara.ghtml

[7] Bolsonaro deve ter redução de pena com PL da Anistia ... https://www.cnnbrasil.com.br/politica/bolsonaro-deve-ter-reducao-de-pena-com-pl-da-anistia-diz-relator-a-cnn/

[8] Lula conversou com STF sobre redução de pena no lugar de ... https://veja.abril.com.br/coluna/radar/lula-alinha-com-stf-defesa-publica-de-reducao-de-penas-no-lugar-de-anistia/

[9] Anistia avaliada no Congresso não tem respaldo jurídico ... https://apublica.org/2025/09/anistia-avaliada-no-congresso-nao-tem-respaldo-juridico-diz-kakay/

[10] Câmara dos Deputados aprova urgência para projeto de ... https://www.migalhas.com.br/quentes/440377/camara-dos-deputados-aprova-urgencia-para-projeto-de-anistia

[11] Anistia: veja os partidos que votaram contra e a favor da ... - G1 https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/09/18/urgencia-anistia-como-votaram-os-partidos.ghtml

[12] Relator diz que 'anistia ampla, geral e irrestrita não existe ... - G1 https://g1.globo.com/politica/blog/julia-duailibi/post/2025/09/18/relator-anistia-ampla-nao-existe-mais.ghtml

[13] Sóstenes: 'ou aprova anistia ou Paulinho pede para sair' - G1 https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2025/09/19/sostenes-anistia-reducao-de-pena-paulinho-da-forca.ghtml

[14] PL da Anistia pode reduzir pena de golpistas, mas STF ... https://www.brasildefato.com.br/2025/09/19/pl-da-anistia-pode-reduzir-pena-de-golpistas-mas-stf-deve-avaliar-constitucionalidade/

[15] Anistia: Câmara aprova urgência para projeto; o que ... https://www.bbc.com/portuguese/articles/c864g5ve7gqo

Temístocles Telmo: É Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com 38 anos de atuação na área de Segurança Pública. Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, é também pós-graduado em Direito Penal e atualmente é Secretário de Segurança Cidadã de Santo André. Advogado licenciado, atua como membro consultor da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção da OAB/SP – Ipiranga. É professor universitário há 17 anos na área de Direito Criminal, com atuação na PUC-Centro Universitário Assunção São Paulo, no Programa de Doutorado da Polícia Militar do Estado de São Paulo e na pós-graduação da Faculdade Legale. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. É autor, coautor e organizador de 15 livros, com destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.

Bolsonaro e a Justiça Rápida: Entre Regimento, Jurisprudência e Estratégia de Defesa

Temístocles Telmo

O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro é inédito não apenas pela forma como o processo foi conduzido, acusações baseadas em narrativas e sem comprovações fáticas, incompetência do STF por ausência de foro privilegiado, impedimento e suspeição de 03 Ministros dos 5 que compõe a 1ª Turma, e grande questionamento, por muitos especialistas: porque a vontade tão grande de se julgar pela Turma se o STF é formado por 11 Ministros, afinal, muitas dúvidas, suspeitas, seriam menos contundentes. Mesmo, que o resultado fosse o mesmo, a condenação, considerando, as declarações até do presidente da Corte. Chama a atenção também a celeridade com que o STF conduziu o processo. Em um país em que ações penais por crimes hediondos podem levar décadas para transitar em julgado, ver uma condenação criminal de ex-chefe do Executivo concluída em tempo recorde reforça a percepção de um julgamento com tintas políticas, sustentado por narrativas jurídicas. E por fim, o exagero nas penas, são algo sem precedentes num sistema garantista, em que o Poder Judiciário se preocupa mais com o criminoso, que com a vítima.

As penas aplicadas foram:

Organização criminosa – 7 anos e 7 meses;
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito – 6 anos e 6 meses;
Golpe de Estado – 8 anos e 2 meses;
Dano qualificado – 2 anos e 6 meses;
Deterioração de patrimônio – 2 anos e 6 meses.

Por superarem oito anos, impõe-se o regime inicial fechado (art. 33, §2º, “a”, CP).

Mas, pelo art. 283 do CPP, não há prisão antes do trânsito em julgado.

O ponto central: embargos infringentes e o art. 333 do RISTF

O art. 333 do Regimento Interno do STF prevê que “cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma que julgar procedente a ação penal”. O texto não exige número mínimo de votos divergentes — basta não ser unânime. Porém, desde o mensalão, o STF vem restringindo o uso do recurso. Em 2018 (caso Maluf) e novamente em 2025 (caso Débora Rodrigues), a Corte fixou como critério jurisprudencial a existência de pelo menos dois votos absolutórios para admitir os embargos infringentes. Essa exigência não está escrita no regimento; é fruto de construção jurisprudencial.

No caso Bolsonaro, o placar (4x1) não atingiu esse número. Pela jurisprudência atual, os embargos infringentes não seriam admitidos. O relator, Alexandre de Moraes, poderá negar seguimento monocraticamente, amparado no art. 21, §1º, do RISTF, que autoriza rejeitar recurso “manifestamente inadmissível ou contrário à jurisprudência dominante”.

Seria muito prudente, embora entendamos impossível, que a corte olhasse a excepcionalidade do caso e seguisse a Lei e não a jurisprudência mudada com o jogo em andamento. A lei neste caso é o regimento do STF

Por que a defesa deve interpor mesmo assim

Interpor os embargos — mesmo sabendo do provável indeferimento — tem efeito estratégico: provocar o Plenário. Ao recorrer, a defesa obriga o STF a se pronunciar mais uma vez sobre a compatibilidade entre o art. 333 do regimento (norma interna) e a jurisprudência restritiva atual. Se o recurso não for admitido monocraticamente, ainda cabe agravo interno para levar a decisão ao colegiado, o que pode abrir espaço para uma eventual rediscussão no Pleno.

Outros aspectos relevantes

  1. Fux na dosimetria – coerente com sua posição histórica, ele não participou do cálculo da pena, mesmo sendo permitido pela jurisprudência.
  2. Próximos passos – publicação do acórdão (até 60 dias), embargos de declaração (5 dias), eventual tentativa de embargos infringentes e agravo.
  3. Execução da pena – só após trânsito em julgado. Possíveis locais: Papuda ou PF/Brasília.
  4. Prisão domiciliar – pode ser requerida por razões humanitárias (idade + problemas de saúde), mas não é automática. A defesa terá de comprovar impossibilidade de tratamento adequado no sistema prisional.

Síntese crítica

O caso evidencia a tensão entre regimento e jurisprudência. O texto do art. 333 é claro ao não exigir dois votos absolventes para caber embargos infringentes. A prática do STF, porém, impõe essa condição. A defesa de Bolsonaro, ao interpor embargos mesmo com baixa chance de êxito, cumpre um papel estratégico: provocar o Plenário a harmonizar a norma regimental com a jurisprudência atual e, assim, reforçar as garantias do devido processo legal.

Sobre o autor: É Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com 38 anos de atuação na área de Segurança Pública. Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, é também pós-graduado em Direito Penal e atualmente é Secretário de Segurança Cidadã de Santo André. Advogado licenciado, atua como membro consultor da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção da OAB/SP – Ipiranga. É professor universitário há 17 anos na área de Direito Criminal, com atuação na PUC-Centro Universitário Assunção São Paulo, no Programa de Doutorado da Polícia Militar do Estado de São Paulo e na pós-graduação da Faculdade Legale. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. É autor, coautor e organizador de 15 livros, com destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.


SELETIVIDADE NO INTERROGATÓRIO JUDICIAL: PRERROGATIVA DO RÉU E CONSEQUÊNCIAS PROCESSUAIS

1 Função e natureza jurídica

O interrogatório é o ato processual em que o acusado é formalmente ouvido sobre a imputação penal, inaugurando a autodefesa no processo. Embora suas declarações possam auxiliar na descoberta da verdade, a doutrina e a jurisprudência reconhecem natureza mista — meio de defesa e de prova — porque (a) permite ao réu contestar a acusação e (b) fornece ao juiz elemento informativo sobre os fatos.

2 Fundamentação constitucional e infraconstitucional

2.1 Constituição Federal, art. 5º, LXIII: assegura ao acusado o direito de permanecer calado.

2.2 Princípio do *nemo tenetur se detegere*: ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.

2.3 Código de Processo Penal (CPP), art. 186: o réu deve ser advertido de que “pode permanecer calado e que o silêncio não importará em confissão”.

2.4 CPP, art. 400 (Lei 11.719/2008): coloca o interrogatório ao final da instrução, reforçando sua feição defensiva.

3 Direito ao silêncio seletivo

O silêncio pode ser total ou parcial. O réu pode responder apenas às perguntas da defesa, silenciar diante de questões do juiz ou do Ministério Público ou escolher livremente os temas que abordará, sem presunção de culpa.

3.1 Precedentes

a) STF, RHC 213 849/SC (2ª Turma, 12 abr 2024): anulou interrogatório em que o juiz impediu a resposta somente à defesa, firmando que o acusado pode responder a todas, algumas ou nenhuma pergunta e escolher quem as formulará.

b) STJ, HC 102 019/PB (1ª Turma, 22 out 2010): reconheceu que a autodefesa abrange o direito de audiência e de presença, legitimando o silêncio parcial.

4 Consequências processuais

- Se o juiz impede o silêncio seletivo ou exige resposta, o interrogatório é nulo e deve ser repetido (arts. 563 e 564, IV, CPP).

- Perguntas não respondidas não podem ser reduzidas a termo; consideram-se inexistentes, em respeito ao direito de não autoincriminação.

5 Papéis dos sujeitos processuais

- Juiz — conduz o ato, pode perguntar, mas não pode compelir o réu a responder; registra apenas as respostas dadas.

- Acusação — pode perguntar, ciente de que o réu pode silenciar parcial ou totalmente.

- Defesa — define a estratégia e pode ser o único interlocutor cujas perguntas o réu decide responder.

6 Características adicionais do interrogatório

- Ato personalíssimo — somente o acusado pode prestar declarações (CPP, art. 185).

- Ato bifásico — qualificação e mérito; em ambas vigora o silêncio seletivo.

- Ato público, salvo restrições legais.

- Sem preclusão — pode ser repetido em caso de nulidade ou fato superveniente relevante (CPP, art. 196).

7 Conclusão

Embora o interrogatório seja ato privativo do juiz, trata-se de direito do acusado. Ele pode escolher quais perguntas responder e de quem, sem prejuízo processual. Restrições a essa escolha geram nulidade absoluta, exigem repetição do ato e impedem a transcrição das perguntas não respondidas.


REFERÊNCIAS

1 Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

2 Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689/1941).

3 Lei 11.719/2008.

4 STF, RHC 213 849/SC (2ª Turma, 12 abr 2024).

5 STJ, HC 102 019/PB (1ª Turma, 22 out 2010).

6 GOMES, Luiz Flávio. Código de Processo Penal Comentado, 2024.

7 BADARÓ, Gustavo. Curso de Processo Penal, 6. ed., 2023.

8 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal, 20. ed., 2025.

A legitimidade da Guarda Municipal para realizar busca pessoal diante de fundada suspeita: recente decisão do STJ


Temístocles Telmo[1]

 A atuação das Guardas Municipais em atividades de segurança pública tem sido, ao longo dos anos, tema de intenso debate doutrinário e jurisprudencial. A delimitação das atribuições desses agentes ganhou maior concretude após a fixação da tese do Tema 656 de Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal (RE 608.588/SP), que reconheceu a constitucionalidade do exercício de ações de segurança urbana, incluindo o policiamento ostensivo e comunitário, pelas Guardas Municipais, desde que respeitadas as competências dos demais órgãos previstos no art. 144 da Constituição Federal.

Nesse cenário, em 12/08/2025, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça analisou o AgRg no HC 909.471/SP, de relatoria do Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador convocado do TJSP). Por unanimidade, foi reafirmado que:

"Guardas municipais podem realizar busca pessoal em via pública quando houver fundada suspeita de prática delitiva."

 A fundamentação da decisão

A questão central do processo consistia em avaliar a validade de provas obtidas por guardas municipais durante uma busca pessoal realizada em via pública, após o acusado tentar fugir ao avistar a guarnição. O STJ entendeu que a diligência foi legítima, uma vez que a tentativa de evasão constitui fundada suspeita, tornando válida a abordagem.

Até então, a própria Sexta Turma havia consolidado entendimento restritivo quanto à competência da Guarda Municipal, como se verificou no HC 830.530/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz. Contudo, com a tese firmada pelo STF no Tema 656, o STJ reconheceu que o exercício do policiamento ostensivo integra, sim, as funções da Guarda Municipal, ainda que vedada a atuação em atividades de polícia judiciária.

Assim, aplicando o dever de observância e uniformização jurisprudencial (art. 926 e art. 927 do CPC), a Corte reafirmou a validade das provas produzidas, mantendo a condenação pelo crime de tráfico de drogas.

 A consolidação da legitimidade

A decisão é relevante porque:

1. Confirma a compatibilidade da atuação da Guarda Municipal em situações de flagrante fundada suspeita;

2. Harmoniza a jurisprudência do STJ com o precedente vinculante do STF (Tema 656);

3. Reforça a segurança jurídica, ao reconhecer que a tentativa de fuga legitima a busca pessoal realizada pela Guarda Municipal no contexto do policiamento ostensivo.

Trata-se, portanto, de importante marco na consolidação da atuação das Guardas Municipais, que passam a ter respaldo claro para agir na prevenção e repressão de delitos em via pública, dentro dos limites constitucionais.

 Referências

STJ. AgRg no HC 909.471/SP, Rel. Min. Otávio de Almeida Toledo (Desembargador convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 12/08/2025.
STJ. HC 929.860/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJEN 10/06/2025.
STJ. HC 830.530/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma.
STF. RE 608.588/SP, Tema 656 de Repercussão Geral.
Constituição Federal, art. 129, VII, e art. 144, § 8º.
Código de Processo Civil, arts. 926 e 927.



[1] Temístocles Telmo: É Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com 38 anos de atuação na área de Segurança Pública. Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, é também pós-graduado em Direito Penal e atualmente é Secretário de Segurança Cidadã de Santo André. Advogado licenciado, atua como membro consultor da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção da OAB/SP – Ipiranga. É professor universitário há 17 anos na área de Direito Criminal, com atuação na PUC-Centro Universitário Assunção São Paulo, no Programa de Doutorado da Polícia Militar do Estado de São Paulo e na pós-graduação da Faculdade Legale. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. É autor, coautor e organizador de 15 livros, com destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.

STJ reconhece: leitura pode reduzir pena – Tema 1278

 


Tema 1278/STJ – Remição de Pena pela Leitura

No julgamento do REsp 2.121.878/SP, a Terceira Seção do STJ firmou entendimento de que a leitura pode gerar remição de pena, com base no art. 126 da Lei de Execução Penal, desde que:

  • haja validação por comissão instituída pelo juízo da execução,

  • não sendo aceita a certificação feita por profissional contratado pelo apenado.

🔎 Dispositivo legal em destaque
Art. 126, caput, LEP:
“O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.”

📖 Tese fixada (Tema 1278):

“Em decorrência dos objetivos da execução penal, a leitura pode resultar na remição de pena, com fundamento no art. 126 da LEP, desde que observados os requisitos previstos para sua validação, não podendo ser acolhido o atestado realizado por profissional contratado pelo apenado.”

⚖️ Fundamento: A leitura é forma de estudo e instrumento de ressocialização, conforme já reconhecido pelo STJ, STF e pela Resolução CNJ nº 391/2021.


Processo

REsp 2.121.878-SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 13/8/2025. (Tema 1278).

Juiz-investigador? Os limites da imparcialidade no processo penal

Temístocles Telmo

1. Contexto da controvérsia

Milanez acusou o ministro-relator **Alexandre de Moraes** de extrapolar seu papel ao:

- formular 302 perguntas às testemunhas, contra 59 da PGR;

- indagar sobre postagem em rede social que não constava dos autos;

- transformar-se, nas palavras da defesa, de “julgador” em “inquisidor”.

O episódio reacende a discussão sobre a atuação judicial no sistema acusatório (art. 3º-A CPP) e a garantia de imparcialidade.

2. Marco legal aplicável

2.1 Sistema acusatório (art. 3º-A CPP)

Vedada a iniciativa probatória do juiz na fase investigatória e a substituição da acusação.

2.2 Inquirição de testemunhas (arts. 212-215 CPP)

O magistrado pode fazer perguntas complementares para esclarecer fatos, mas deve respeitar contraditório e limites formais.

2.3 Suspeição já prevista no CPP (art. 254)

Art. 254 CPP– O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:

I – se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;

II – se ele, seu cônjuge ou parente […] tiver interesse no processo;

III – se tiver aconselhado qualquer das partes;

IV – se for credor ou devedor de uma das partes;

V – se for tutor, curador ou empregador de qualquer das partes;

VI – se tiver manifestado prévio juízo sobre a causa.

2.4 Aplicação subsidiária do CPC (art. 3º CPP c/c art. 145 CPC)

Onde o CPP é lacunoso, cabem as causas do art. 145 CPC (por exemplo, amizade/inimizade com advogado, recebimento de presentes).

3. Possibilidade de arguição de suspeição

1. Prazo: 15 dias do conhecimento do fato (art. 146 §1º CPC aplicado supletivamente).

2. Petição autônoma: dirigida ao próprio ministro, com provas e rol de testemunhas.

3. Efeitos: se rejeitada, forma-se incidente decidido pelo colegiado; se acolhida, atos decisórios posteriores são nulos (art. 564 I CPP).

Argumento central da defesa: atuação investigativa demonstra “interesse no resultado” (art. 254 VI CPP; art. 145 IV CPC).

4. Crítica doutrinária e jurisprudencial

- Ferrajoli:juiz deve ser “boca da lei”, não produtor de provas.

- Aury Lopes Jr.: protagonismo judicial viola imparcialidade estrutural do modelo acusatório.

- STF, HC 127.483: investigação judicial gera risco objetivo de perda de neutralidade.

5. Consequências processuais

- Nulidade relativa das provas colhidas de ofício, se houver prejuízo (art. 563 CPP).

-Possível habeas corpus para trancar ato constrangedor.

- Reforço dos freios constitucionais à figura do “juiz-investigador”.

6. Conclusão

Os fatos narrados por *Matheus Mayer Milanez* sugerem que o relator ultrapassou o limite funcional fixado pelo art. 3º-A CPP, aproximando-se de parte ativa na produção probatória. Tal postura afronta a neutralidade exigida do magistrado, encaixando-se nas hipóteses de suspeição do art. 254 CPP e, subsidiariamente, do art. 145 CPC. A manutenção da confiança pública no Judiciário impõe a observância estrita desses limites e a pronta arguição de suspeição sempre que se vislumbrar comprometimento da imparcialidade.

Fontes

[1] Fonte e autor destacados:** trecho da sustentação oral do advogado *Matheus Mayer Milanez*, transmitido pela **TV Justiça** e reproduzido no portal *em.com.br/politica*.

Sobre o autor: É Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com 38 anos de atuação na área de Segurança Pública. Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem 

Pública, é também pós-graduado em Direito Penal e atualmente é Secretário de Segurança Cidadã de Santo André. Advogado licenciado, atua como membro consultor da Comissão de 

Segurança Pública da 100ª Subseção da OAB/SP – Ipiranga. É professor universitário há 17 anos na área de Direito Criminal, com atuação na PUC-Centro Universitário Assunção São Paulo, no Programa de Doutorado da Polícia Militar do Estado de São Paulo e na pós-graduação da Faculdade Legale. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. É autor, coautor e organizador de 15 livros, com 

destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.

Caminhos da Lei. 🔎Visão Cidadã – por Professor Telmo

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