
**Temístocles Telmo**
Resumo: A anistia é instituto jurídico de clemência, previsto constitucionalmente e tradicionalmente aplicado em situações de tensão política e social. No Brasil contemporâneo, o tratamento da anistia — transformada em projeto de redução de penas por pressão do STF e do Executivo — revela a fragilidade do Congresso Nacional e ameaça o equilíbrio democrático dos poderes. O texto aborda os fundamentos legais da anistia, sua previsão constitucional, limitações materiais, e contrapõe o quadro normativo ao contexto político atual.
Palavras-chave: anistia; dosimetria; STF; Congresso Nacional; Constituição; democracia.
Conceito Jurídico e Previsão Legal da Anistia
Anistia é o perdão concedido pelo Estado a pessoas ou grupos que cometeram determinados crimes, geralmente de natureza política, apagando os efeitos legais dessas infrações como se nunca tivessem ocorrido.
Conceito Jurídico
A palavra “anistia” vem do grego “amnestía”, que significa “esquecimento”, refletindo a ideia de extinguir a punição e as consequências do crime no histórico do infrator. No Brasil, a anistia deve ser concedida por lei aprovada pelo Congresso Nacional, e é comum em situações delicadas como transições políticas ou pacificação social.
Finalidade e Contexto
A anistia é utilizada em momentos críticos — revoluções, greves e regimes autoritários — visando promover reconciliação e restaurar a ordem civil. O exemplo mais emblemático foi a Lei da Anistia de 1979, que permitiu o retorno de exilados políticos e reabilitou direitos civis de anistiados envolvidos nos conflitos políticos do período militar.
Diferença em Relação a Indulto e Graça
Diferentemente do indulto, que é individual e concedido pelo presidente da República por decreto, a anistia é coletiva, exige lei específica, e elimina não só a pena, mas também todas as consequências legais do crime. A graça, por sua vez, é um perdão individual, também presidencial, que não apaga a ficha criminal.
Portanto, anistia é o perdão coletivo concedido por lei, normalmente para crimes políticos, extinguindo a punibilidade e os efeitos penais dos atos praticados. Seu fundamento está na soberania legislativa e tem papel de restaurar direitos e promover pacificação social[1][2].
"A anistia, cuja outorga é da exclusiva competência do Congresso Nacional..." (Senado Federal, CF art. 66, V)[2]
No ordenamento brasileiro atual, a Constituição Federal de 1988 prevê e limita a concessão de anistia:
Competência:
- *Art. 21, XVII*: "Compete à União conceder anistia..."
- *Art. 48, VIII:* "Cabe ao Congresso Nacional dispor sobre temas de sua competência, inclusive anistia..."
Limitações:
- *Art. 5º, XLIII:* “A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça, anistia ou indulto a prática de tortura, tráfico de drogas, terrorismo e crimes hediondos.”
- *ADCT, art. 8º:* "É concedida anistia aos atingidos por atos de exceção entre 1946 e 1988, excluídos os ministros militares..."[1][3]
A anistia foi aplicada, por exemplo, pela Lei nº 6.683/1979 em contexto de transição política, e também pela Lei nº 8.878/1994 para servidores públicos demitidos por motivos políticos[4][5].
Diferença Entre Anistia e Redução de Pena
- Anistia tradicional implica o perdão pleno, apagando os efeitos penais e tornando os atos como se nunca tivessem ocorrido.
- Redução de pena, por sua vez, consiste numa medida em que a lei retroage para beneficiar os condenados reduzindo o tempo de cumprimento de suas penas, porém sem extinguir completamente a punição.
- O Congresso pode propor leis que reduzam as penas mínimas dos tipos penais configurados, fazendo com que réus já condenados sejam beneficiados retroativamente, segundo o princípio penal do benefício.
Contexto Atual no Brasil
O debate sobre atos golpistas de 8 de janeiro levou o relator Paulinho da Força a propor a substituição de anistia por uma redução de penas, privilegiando a pacificação social, com benefícios estendidos a todos os condenados, mas sem a extinção total da punibilidade.
A aplicação dessa redução se daria apenas para os tipos penais alterados no projeto, sendo que delitos contra a democracia e Estado de Direito, por princípio constitucional e jurisprudência do STF, não podem ser anistiados ou receber indulto.
Portanto, embora o termo “anistia” envolva perdão total, pode-se aprovar leis que apenas reduzam penas de crimes específicos — o que não é anistia no sentido jurídico clássico, mas sim um benefício penal por redução de dosimetria.
O Contexto Atual e a Fragilidade Institucional do Congresso
Apesar da clareza constitucional, o debate sobre anistia hoje revela processo legislativo submisso, fortemente influenciado por manifestações prévias do STF e do presidente da República, bloqueando o exercício livre do poder legislativo.
O relator do projeto em discussão, Paulinho da Força, expressou essa subordinação:
"Não é de anistia, é de dosimetria. Nós não queremos e não vamos fazer nenhum projeto que vá de encontro ao Supremo. Anistia já foi considerada inconstitucional pelo Supremo. Então, qualquer projeto que fale de anistia não vai para lugar nenhum."[6]
"Esse é um projeto para todos e não para uma pessoa... Aqueles que atentaram contra a democracia e o Estado Democrático de Direito não serão contemplados."[6]
O STF já se manifestou que anistia ampla ou voltada para crimes contra o Estado Democrático é inconstitucional, fundamentando-se no princípio do artigo 5º, que torna tais crimes inafiançáveis e insuscetíveis de anistia ou indulto[1][3]:
"Por coerência interna da Constituição, tais crimes seriam impassíveis de anistia. Assim entendeu o ministro Dias Toffoli... ao julgar a graça concedida a Daniel Silveira."[3]
O presidente da República também declarou publicamente:
"Já declarei: vetarei qualquer projeto que conceda anistia irrestrita."[7][8]
Consequências para o Sistema de Freios e Contrapesos
Esse contexto revela um grave desequilíbrio constitucional. O procurador natural da anistia e do perdão político — o Congresso Nacional — foi reduzido à condição de executor de ordens e antecipações judiciais e políticas. As decisões passaram a ser ditadas não por projeto legislativo discutido amplamente, mas pelas orientações daqueles que controlam o destino político do país[9][10].
A tramitação acelerada e com urgência para votação, frequentemente sem rascunho consolidado, evidenciou o enfraquecimento da autonomia legislativa:
"Até agora não tem nem rascunho, estamos conversando ainda, será algo curto e grosso, focado em redução de penas."[6]
Exclusão de Oposição e Precariedade do Debate
A oposição política permanece marginalizada ou obrigada a aceitar a versão restritiva do governo e do Judiciário:
"A oposição concluiu que seria melhor ficar com a anistia do governo do que não ter anistia nenhuma. Aquela não era a anistia ideal, mas a possível."[11]
"Parlamentares apresentaram emendas para ampliar a anistia, mas foram vencidos. A crítica à exclusão foi contundente."[12]
Conclusão
A anistia é prerrogativa constitucional exclusiva do Congresso Nacional, instrumento legítimo para corrigir distorções políticas e buscar pacificação nacional. O contexto atual, contudo, mostra que tal prerrogativa foi dramaticamente esvaziada. O Legislativo perdeu autonomia e protagonismo no processo de debate e decisão sobre o tema, submetendo-se ao STF e ao Executivo, em grave prejuízo democrático. Só a restauração do processo livre e soberano poderá fortalecer o sistema de freios e contrapesos e garantir o papel constitucional do Parlamento.
Referências
[1] Anistia na Constituição: Veja histórico do instituto no Brasil https://www.migalhas.com.br/quentes/426911/anistia-na-constituicao-veja-historico-do-instituto-no-brasil
[2] a anistia e o direito de graça - Senado Federal https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/180679/000347575.pdf?sequence=1&isAllowed=y
[3] Anistiar crimes contra democracia é inconstitucional, dizem ... https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2024-09/anistiar-crimes-contra-democracia-e-inconstitucional-dizem-juristas
[4] L6683 - Planalto https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6683.htm
[5] L8878 - Planalto http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8878.htm
[6] Relator diz que não quer projeto que tenha embate com ... - G1 https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2025/09/19/relator-projeto-da-dosimetria-stf-camara.ghtml
[7] Bolsonaro deve ter redução de pena com PL da Anistia ... https://www.cnnbrasil.com.br/politica/bolsonaro-deve-ter-reducao-de-pena-com-pl-da-anistia-diz-relator-a-cnn/
[8] Lula conversou com STF sobre redução de pena no lugar de ... https://veja.abril.com.br/coluna/radar/lula-alinha-com-stf-defesa-publica-de-reducao-de-penas-no-lugar-de-anistia/
[9] Anistia avaliada no Congresso não tem respaldo jurídico ... https://apublica.org/2025/09/anistia-avaliada-no-congresso-nao-tem-respaldo-juridico-diz-kakay/
[10] Câmara dos Deputados aprova urgência para projeto de ... https://www.migalhas.com.br/quentes/440377/camara-dos-deputados-aprova-urgencia-para-projeto-de-anistia
[11] Anistia: veja os partidos que votaram contra e a favor da ... - G1 https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/09/18/urgencia-anistia-como-votaram-os-partidos.ghtml
[12] Relator diz que 'anistia ampla, geral e irrestrita não existe ... - G1 https://g1.globo.com/politica/blog/julia-duailibi/post/2025/09/18/relator-anistia-ampla-nao-existe-mais.ghtml
[13] Sóstenes: 'ou aprova anistia ou Paulinho pede para sair' - G1 https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2025/09/19/sostenes-anistia-reducao-de-pena-paulinho-da-forca.ghtml
[14] PL da Anistia pode reduzir pena de golpistas, mas STF ... https://www.brasildefato.com.br/2025/09/19/pl-da-anistia-pode-reduzir-pena-de-golpistas-mas-stf-deve-avaliar-constitucionalidade/
[15] Anistia: Câmara aprova urgência para projeto; o que ... https://www.bbc.com/portuguese/articles/c864g5ve7gqo
Temístocles Telmo: É Coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com 38 anos de atuação na área de Segurança Pública. Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, é também pós-graduado em Direito Penal e atualmente é Secretário de Segurança Cidadã de Santo André. Advogado licenciado, atua como membro consultor da Comissão de Segurança Pública da 100ª Subseção da OAB/SP – Ipiranga. É professor universitário há 17 anos na área de Direito Criminal, com atuação na PUC-Centro Universitário Assunção São Paulo, no Programa de Doutorado da Polícia Militar do Estado de São Paulo e na pós-graduação da Faculdade Legale. Em 2023, coordenou os Conselhos Comunitários de Segurança da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. É autor, coautor e organizador de 15 livros, com destaque para Vizinhança Solidária. Além de escritor e articulista, também se dedica à poesia.



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